Ata notarial |
Zeno Veloso
Jurista
Há
algum tempo, um gerente de banco me falou que estava com um problema
aparentemente sem solução: a agência mantinha alguns cofres para
utilização exclusiva de clientes, mas a diretoria havia decidido
extinguir aquele serviço, que era caro, de alto risco e não dava quase
retorno algum (como sabem, banqueiro,
em primeiro lugar, persegue o lucro). E o gerente não conseguiu localizar
o destino de um dos depositantes, que estava, como se diz, “em lugar
incerto e não sabido”. Para agravar a questão, a agência tinha de
mudar de endereço, o prédio foi devolvido ao dono. Como fazer com relação
àquele cofre? Como abri-lo, checar o que continha, para devolver tudo,
direitinho, ao dono, quando e se aparecesse de volta? Sugeri
que fosse feita uma ata notarial. Assim
ocorreu: no dia e hora marcados, perante o tabelião -
que se deslocou à agência - e o gerente do banco, compareceu um
especialista para abrir a porta do pequeno cofre, o que se deu com alguma
dificuldade, e foi revelado o
que tinha dentro: duas pequenas joias e notas de dólares
norte-americanos. Tudo avaliado, mais ou menos, em 20.000 (vinte mil
reais). No
final de tudo, o tabelião redigiu uma escritura pública, narrando
minuciosamente todos os fatos, materializando, documentando o que
aconteceu, descrevendo, contando como ocorreu a abertura do cofre e a
verificação do que havia nele, colhendo a assinatura do solicitante e
outros intervenientes. Tudo é relatado sob a fé pública do tabelião,
que pode, ainda, convocar duas ou mais testemunhas para assistir a toda a
solenidade, ou, até, fotografar ou filmar tudo. A isso se chama ata
notarial, que funciona, já se vê, como importante e qualificado meio de
prova. A
ata notarial surgiu expressamente no direito brasileiro no artigo 7º,
inciso III, da lei federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, conhecida
como Lei dos Notários e Registradores, e
ela diz que aos tabeliães de notas compete com exclusividade lavrar atas
notariais. Walter Ceneviva, o principal comentador da lei nº 8.935/94,
observa que a introdução da ata notarial no direito brasileiro ampliou a
prestação de serviços dos tabeliães, encarregados de as lavrar. Ata
notarial, para esse autor, é
registro de fato ou ato solicitado ao tabelião de notas por interessado,
feito com precisão objetiva, das pessoas e ações que o caracterizam. Essa figura é muito comum e bastante utilizada na Espanha, no Uruguai, na Argentina, e pouco no Brasil, mesmo depois de a lei nº 8.935/94 tê-la previsto. É lamentável esse desconhecimento a respeito da mesma. A função notarial - como se diz na Alemanha e em todos os países civilizados, de origem jurídica romana - é um poderoso instrumento de prevenção de litígios. O
notário age como se fosse um magistrado preventivo, evita que o litígio
aconteça, previne a demanda, serve para esvaziar o Judiciário, é um
elemento de paz social. E a
ata notarial, além do mais, materializando um fato, é meio de prova
eficaz, serve para demonstrar, proteger, resguardar um direito. Vejam
alguns exemplos em que a ata notarial pode ser utilizada: verificação do
estado em que se acha um imóvel, após a
desocupação do locatário; comprovação de que uma agência bancária
estava fechada, dado movimento grevista dos empregados; descrição do
estado e posição em que se acham dois automóveis, após uma colisão;
visita a um hospital, para verificar que determinado enfermo ali se
encontra e está lúcido; afirmação de que uma pessoa, em certo dia e
hora, estava em seu escritório, trabalhando; descrição do que ocorreu
numa assembléia de empresa ou numa reunião de condomínio. Enfim, a ata notarial serve para provar tudo, praticamente. Mas houve um caso famoso, no Rio de Janeiro, em que o marido enganado queria porque queria que uma tabeliã comparecesse com ele a um motel, em Jacarepaguá, para dar flagrante na esposa dele, que estava num quarto, com o namorado. A notária deu uma boa desculpa, mas ficou com receio e negou-se a fazer a diligência. O ato de adultério ficou sem ata. 08.05.2009 |
Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 07.02.2009 |
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