Para barão, cela dever ter televisão e ar refrigerado

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ZENO VELOSO
Jurista 

 Veja também:  Prisão Especial

 

Alguns leitores resolveram se manifestar e dar opinião a respeito do meu artigo da semana passada, intitulado “Quem diria...”, em que analiso a generalizada decepção que causou  a queda do senador Demóstenes Torres, enredado profundamente com o contraventor Carlinhos Cachoeira, que tem surpreendido a nação com a quantidade enormíssima de negócios e o altíssimo número de autoridades que estão debaixo de sua influência. Cachoeira, em matéria de malfeitos, é o “cara”.

Tanto assim, que já tem muita gente achando que essa ideia de fazer uma CPI a respeito do crime organizado não é uma boa, e pode dar “bode”.

Tão Brasil! Já que eu havia tratado do foro privilegiado, solicitaram que escrevesse, agora, sobre outra regalia nacional, a prisão especial. Uma observação inicial é necessária: apesar de tudo, o chamado foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função, é previsto na Constituição.

A prisão especial, como o nome está indicando, é concedida a algumas pessoas, pela relevância do cargo que exercem, pela importância da sua atividade, pelo grau de instrução etc., e gozam do benefício de ficarem presas num local especial, confortável, distinto, seguro, diverso do cárcere ordinário, destinado aos comuns dos mortais (pobres, desvalidos, analfabetos, de camadas sociais inferiores), até o julgamento final ou o trânsito em julgado da decisão penal condenatória.

O Código de Processo Penal - CPP, que é um decreto-lei editado em 1941, no tempo da ditadura de Vargas, regula a prisão especial no artigo 295. Mas, além desse dispositivo, muitas leis especiais foram estendendo a prerrogativa a outras pessoas, pelas mais diversas razões e até mesmo sem razão alguma. 

Num país como o nosso, que infelizmente tem se caracterizado pela torrencial edição de leis de toda espécie, sem nenhuma ordem ou sistema, sobre todo e qualquer assunto, mesmo os mais ridículos, banais, desimportantes, não era de se esperar que a multidão abrangida pelo artigo 295 do CPP não fosse aumentada, foi, sim, e muito!

Vou indicar a lista - e não garanto que não existam outros beneficiados - dos que gozam de prisão especial, e é  tanta gente que, temo, vai acabar o espaço de que disponho: ministros de Estado e do TCU; senadores, deputados federais, estaduais e distritais; governadores e respectivos secretários; prefeitos e vereadores; magistrados, juízes de paz, advogados, procuradores, defensores públicos, membros do Ministério Público; dirigentes dos sindicatos; delegados de Polícia e policiais civis; líderes religiosos; jornalistas profissionais; oficiais das Forças Armadas, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros; oficiais da Marinha Mercante; pilotos de avião; professores de primeiro e segundo graus; os que têm diploma de curso superior  (com a proliferação desses cursos, é difícil alguém que pode pagar não ter algum); cidadãos inscritos no “Livro de Mérito” (que vem a ser isso, meu Deus?); pessoas que exerceram a função de jurados no Tribunal do Júri, membros de Conselhos Tutelares, funcionários da administração da justiça criminal; comerciantes...

Esta nossa legislação é bem o retrato de um país ainda socialmente subdesenvolvido. Ela repete preconceitos milenares, regras medievais elitistas, caducas, que consagravam as prerrogativas de nascimento, prestigiavam os títulos de nobreza e afligiam os filhos dos peões, dos operários, dos assalariados de baixa renda. 

As desigualdades arbitrárias, imotivadas, e que desbordam da lógica, do razoável, dos princípios constitucionais, agridem a ordem jurídica, violam a Carta Magna.

Não acho que seja imprescindível mais uma lei, que revogue todas as outras que concederam o dito privilégio a tanta gente. O que está faltando é determinação e coragem para deixar de aplicar as odiosas normas, afastá-las do caso concreto, e por uma razão simples e fundamental: a prisão especial afronta o princípio da igualdade consagrado em nossa Lei Maior. A prisão especial separa os brasileiros em castas. 

A prisão especial é perdidamente inconstitucional.

12.04.2013

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  21.04.2012 

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