Cachorro pode ser herdeiro?

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Zeno Veloso
Jurista

 

     O famoso colunista Bernardino Santos - que é bacharel em Direito - noticiou que o famoso milionário e playboy paulista Chiquinho Scarpa havia feito um testamento, deixando bens de grande valor para o seu cachorro, Pafúncio. Bernardino pediu que eu desse opinião sobre o curioso fato. É válida esta disposição testamentária? O cão pode ser herdeiro de Chiquinho?

     Este é um tema que já abordei nesta coluna. Há pouco tempo, analisei o caso da anciã gaúcha que deixou seu valioso apartamento em Porto Alegre, com mais de 500m2, para o cachorro e o gato de estimação. Antes, eu havia contado o caso da senhora, muito caridosa e religiosa, que me perguntou se podia destinar, quando morresse, o seu apartamento para sua “mãezinha”. Eu respondi que claro, podia, sim. Mas ela acrescentou que sua “mãezinha” era Nossa Senhora de Nazaré, a quem desejava nomear herdeira de todos os seus bens.

     Casos como esses não são tão raros, embora ache que o Chiquinho, a quem conheci no Rio de Janeiro, esteja fazendo, nessa história, uma jogada de marketing, no que ele é muito esperto.

     Já no meu livro, “Testamento”, segunda edição, em 1993, editado aqui mesmo, com todo o carinho, pela Cejup, do Gengis Freire, tratei desta questão, e o que disse na aludida obra responde ao amigo Bernardino Santos e a outros casos semelhantes.

     Em síntese, só as pessoas - físicas e jurídicas - têm legitimação para aparecer como herdeiras ou legatárias.

     Estão excluídos os animais e coisas inanimadas. Não se pode fazer testamento beneficiando um animal, a alma, um santo, etc. Ressalva Carvalho Santos que o testamento pode mencionar os animais ou coisas inanimadas, se as disposições a estes referentes se apresentarem sob a forma de ônus duma liberalidade direta a uma pessoa capaz de adquirir por testamento. É a doutrina exposta por Aubry e Rau e, no Direito brasileiro, Caio Mário da Silva Pereira aponta que somente o homem pode adquirir causa mortis, e as pessoas jurídicas por causa dos homens (hominum causa), não se podendo falar em sucessão de qualquer espécie, em favor da coisa inanimada, ou de um ser irracional, não podendo as coisas serem sujeitos de direito, faltando-lhes capacidade sucessória.

     Nada impede, entretanto, que alguém deixe certa quantia a uma pessoa, estabelecendo o encargo, para o beneficiário, de alimentar e manter o cãozinho de estimação. Nada proíbe que o testador faça um legado à corporação religiosa, exigindo missas ou obras pias em sufrágio de sua alma. Pode representar um legado indireto, uma liberalidade mediata, mas, feito assim, vale.

     Porém, se num testamento é nomeado um animal irracional ou um ser inanimado como herdeiro, a cláusula testamentária não vai ser cumprida: é nula e ineficaz.

19.02.2006

Fonte:    Jornal "O Liberal" - Belém - Pará 

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