O leitor Jones Magalhães apresenta fatos e pede a minha opinião. O pai
dele, já viúvo, morreu, ano passado, e deixou diversos imóveis, que
deverão caber a ele, Jones, e a três irmãos. O consulente foi procurado
por um amigo, interessado em adquirir os seus direitos hereditários sobre
um apartamento, oferecendo-lhe R$200.000 pelo imóvel. Jones contratou um
especialista, que o aconselhou a tomar as seguintes providências: 1)
oferecer, primeiramente, a quota hereditária que deseja ceder aos outros
irmãos, pois o co-herdeiro tem direito de preferência, tanto por tanto,
ou seja, pelo mesmo preço, com relação a um estranho à sucessão; 2)
se nenhum co-herdeiro quiser adquirir a parte do cedente, este fica livre
e pode realizar o negócio com terceiro; 3) a cessão de direitos hereditários
tem de ser feita por escritura pública, sob pena de nulidade, isto é, o
escrito particular de cessão não vale coisa alguma (e ainda semana
passada vi um instrumento desta natureza, e tive de dizer isto à pessoa
que me apresentou, que ficou alarmada com a informação).
Os irmãos de Jones, através de um escrito,
informaram que não estavam interessados no negócio, e ele, então,
seguindo as instruções que recebeu, celebrou a escritura pública de
cessão de direitos hereditários, cedendo a sua quota para o terceiro
interessado, que, em conseqüência, ficou no lugar de Jones no processo
de inventário do falecido, como se fosse um filho deste.
Ocorreu que na escritura pública de cessão
ficou constando que Jones transferia os seus direitos hereditários sobre
um bem determinado, o dito apartamento, que o cessionário desejava
adquirir, e pagou por ele. Neste ponto, surgiu o impasse: os irmãos de
Jones alegaram em juízo que não concordavam com aquela situação, que
tinham interesse em ficar com o apartamento, argumentando que o terceiro
havia adquirido direitos hereditários, assumindo, portanto, a posição
de Jones, a condição de herdeiros, porém, de uma parte indivisa, de uma
quota ideal, e não de um bem determinado, especificado, individuado.
Um jurista mineiro deu um parecer aos irmãos de
Jones, afirmando, com base em doutrina de Francisco Campos, a nulidade da
cláusula da escritura pública de cessão, que havia se referido ao
aludido apartamento. Acho que não é bem assim, e vou mostrar.
A cessão de direitos hereditários não
pode, realmente, se existem vários herdeiros, individuar o bem sobre o
qual recai a cessão. O que o cessionário adquire é a quota hereditária,
a parte ideal que cabe ao cedente. Neste momento, a herança é um todo
unitário, coisa indivisa. Somente depois, com o ato judicial da partilha,
é que se preenche, materialmente, a quota do herdeiro, com a atribuição
dos bens, com a individuação dos mesmos, extinguindo-se a indivisão, o
condomínio hereditário.
Mas a cláusula da escritura que
estabeleceu que o determinado bem caberia ao cessionário não é nula,
mas ineficaz, e alguns juristas ainda muito confundem esses planos do
mundo jurídico, o da validade e o da eficácia, e isso acaba determinando
grandes equívocos. Explicando melhor: a dita cláusula fica na dependência
de o apartamento, na partilha, caber na quota do herdeiro que cedeu os
direitos. Portanto, a cláusula não é nula e de nenhum efeito, ficando
na dependência de o bem, afinal, ser conferido, ou não, na partilha, ao
cessionário. Se não couber, a cláusula não surte efeito, aplicando-se
o artigo 1.793, parágrafo 2°, do Código Civil; se couber, a cláusula
é eficaz. Simples e fácil; como fáceis e simples, de modo geral, são
as soluções jurídicas.
11.06..2005 |