A concorrência sucessória do viúvo com os filhos

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Zeno Veloso
Jurista 

      A convite da professora Maria Augusta Rodrigues Bastos, estive fazendo uma palestra na Assembleia Paraense, no Projeto Cabeça de Prata. Falei sobre o direito sucessório entre os cônjuges, mostrando as novidades sobre a matéria trazidas pelo Código Civil em vigor. Trata-se de tema complicado e os doutrinadores que se dedicam ao mesmo proclamam que o assunto é repleto de dúvidas e dificuldades.

Fiquei impressionado com a atenção e o interesse da numerosa plateia. Tive de responder a muitas perguntas, todas pertinentes, oportunas. Revi muitos e queridos amigos, confessei minha alegria em estar de volta ao clube cuja diretoria tive a honra de integrar, por dois mandatos, na profícua e renovadora gestão de meu caríssimo Altino Tavares Pinheiro, e algum tempo já passou, desde então.

Além de ter feito uma observação muito lúcida, em público, uma senhora me abordou, em seguida, em meio a um finíssimo lanche que foi servido, e me contou que uma amiga que ela tem ficou viúva prematuramente, antes de completar quarenta anos, e com dois filhos havidos de um casamento muito feliz. Além da saudade, o marido deixou-lhe uma considerável fortuna. Depois de três anos, a partir do mês de julho de 1999, a viúva começou a se relacionar afetivamente com um ex-namorado, da época de adolescente, e aceitou a proposta de casamento que ele fez. Precavida, pediu o conselho  de um advogado que lhe indicaram, por sinal, um grande profissional, o dr. Eudiracy Silva, e este sugeriu que ela fosse com o noivo a um cartório de notas e mandasse lavrar um pacto antenupcial, estabelecendo que o regime do casamento seria o da absoluta separação de bens. Com isso, explicou Eudiracy, a ainda jovem viúva estaria “blindando” o patrimônio, que ficaria incomunicável. Nem com a morte passaria para o viúvo e iria, integralmente, para os dois filhos do primeiro marido, que, afinal, havia adquirido todos aqueles bens. Apesar de alguma recalcitrância do noivo, o pacto foi celebrado.

Há seis meses, a senhora de quem estamos falando, teve de se submeter a uma delicada intervenção cirúrgica, com risco de morte. Voltou a falar com um advogado e este garantiu que, se ela falecesse, a herança seria dividida entre seus dois filhos e o viúvo, cabendo uma terça parte para cada um deles.

A informação causou um verdadeiro choque a quem havia, com tanto cuidado, feito seu planejamento patrimonial e sucessório. O advogado teve a gentileza de alertar que o colega Eudiracy, quando foi procurado e emitiu seu parecer, estava certo e certíssimo, conforme a legislação que vigorava, o Código Civil de 1916. Agora, todavia, explicou, está vigendo uma nova legislação sobre a matéria, o Código Civil de 2002, que, no art. 1.829, inciso I, afirma que os descendentes concorrem com o cônjuge sobrevivente, se o casamento seguiu o regime da separação convencional, que é o caso, exatamente, que estamos abordando.

Acabo de escrever um livro, intitulado “Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro”, que está sendo editado pela Saraiva, de São Paulo, e falo do assunto, ponderando que muitas pessoas, que se casaram sob o regime convencional da separação absoluta de bens, sentem-se “traídas” pelo nosso legislador, que estabeleceu uma solução inesperada e que contraria as expectativas dos que se casaram naquele regime. E não tem jeito de afastar completamente o cônjuge da sucessão, pois ele é herdeiro obrigatório, necessário.

Em São Paulo, uma cliente da professora Giselda Hironaka preferiu se separar, para que não fosse prejudicada a herança de seus filhos, se ela morresse antes do esposo.

Há, todavia, um paliativo. Não resolve, mas, pelo menos, reduz o problema, diminui seus efeitos. A dona do patrimônio pode fazer um testamento e dispor da metade de seus bens.

Mesmo quem tem herdeiros obrigatórios - que são os descendentes, ascendentes e o cônjuge - pode deixar para quem quiser essa metade, que, por isso mesmo, chama-se “disponível”. 

No testamento, então, a testadora pode determinar que toda a sua metade disponível caiba a seus filhos sem prejuízo dos mesmos à legítima. E a outra metade, aí, sim, será dividida entre os filhos e o viúvo. O marido da testadora, se sobreviver a esta, vai, sempre, concorrer com os filhos, mas, tendo sido feito testamento, naqueles termos, a concorrência não será sobre todo o patrimônio e só vai ocorrer sobre a metade dos bens. 

Diria o conselheiro Acácio: “Vão-se os anéis, mas os dedos ficam”.  

15.09.2009 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Edição de 15.09.2009 

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