Concubina e pensão 

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ZENO VELOSO
Jurista 

Recebi longa carta de Tereza Maria, que pede meu parecer sobre grave problema que está enfrentando: acaba de morrer o homem com quem ela convivia há mais de 15 anos, e com quem teve duas filhas.

O apartamento em que moravam foi adquirido por compra, mas no nome dele, durante essa época em que estavam juntos, e a consulente informa que colaborou para o pagamento do preço do imóvel. Afinal, quer saber se tem direito à pensão por morte (ele era funcionário público) e se é considerada herdeira dele.

Há um detalhe nessa história, muito significativo, e que tem de ser considerado para analisar a questão: o falecido era casado, tinha três filhos oriundos da relação matrimonial, que durou mais de 30 anos e persistiu até o falecimento do marido. No enterro, ocorreu a maior “saia justa”, pois ambas as mulheres estavam presentes, e chorosas.

Para sintetizar: o defunto manteve uma vida paralela. Vivia, ao mesmo tempo, com a esposa e com a amante (palavra, aqui, empregada no sentido afetivo e não na concepção raivosa, discriminatória e passadista).

Depois de regular a união estável entre homem e a mulher, que representa uma entidade familiar, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (artigos 1.723 a 1.726), o Código Civil dedica um dispositivo ao concubinato, art. 1.727, que prevê: “As relações não eventuais entre homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.

Nos países ocidentais, de raiz judaico-cristã, de inspiração romana, francesa, alemã, vigora um princípio ancianíssimo, o da monogamia. Não se pode ter, ao mesmo tempo, duas esposas, ou dois maridos; nem, simultaneamente, duas companheiras ou dois companheiros.

De cada vez, só está admitido um relacionamento dessa natureza. E não dois, três... Observe-se, todavia, no direito brasileiro, uma exceção importante: a pessoa casada pode ter uma união estável com outrem, se estiver separada de fato do cônjuge, conforme admite o art. 1.723, § 1º, do Código Civil.

Alguns doutrinadores, numa postura bem avançada, defendem que sejam reconhecidos direitos às uniões concubinárias, que denominam famílias paralelas. Decisões judiciais chegaram a reconhecer tais situações, mandando dividir, por exemplo, a pensão previdenciária entre a esposa e a concubina.

Neste momento, entretanto, a posição dos tribunais superiores é muito restritiva, conservadora. No STF, há a decisão tomada no Recurso Extraordinário nº 397.762, originário da Bahia, relator Marco Aurélio; no STJ, encontra-se o julgamento ocorrido no Recurso Especial n° 1.016.574, originário de Santa Catarina, relator Jorge Mussi. No caso decidido pelo STF, havia uma relação concubinária com mais de trinta anos entre Valdemar e Joana, tendo o casal nove filhos. O Ministro Carlos Ayres Britto, que foi o único voto discordante, e favorável à divisão da pensão entre Joana e a esposa de Valdemar, chegando a dizer, inspirado nos nomes dos personagens: Valdemar do Amor Divino e Joana da Paixão Luz, que “eles tinham de se encontrar, de se atrair. Estava escrito nas estrelas”.

Pode-se afirmar que, depois de algumas idas e vindas, não se admitem direitos familiares ou sucessórios para as relações concubinárias. Concubina não tem direito a pensão alimentícia, nem pensão por morte, nem, muito menos, a ser herdeira do parceiro amoroso.

Nesse aspecto, a legislação relega “a outra” à invisibilidade. Isso não quer dizer que ela não tem direito algum. Pode surgir consequências do concubinato no Direito das Obrigações, e tem sido invocada e aplicada a antiga Súmula n° 380 do STF, para coibir a exploração do trabalho ou esforço alheio e evitar o enriquecimento ilícito; em razão disso, comprovada a sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. No caso da consulente, ela tem direito, sim, a uma parte do apartamento que ajudou a comprar. Mas isso vai depender de uma decisão judicial, diante da prova de que foi estabelecido um condomínio entre a concubina e o seu amante.

31.10.2011 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  08.10.2011 

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LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

 Institui o Código Civil

TÍTULO III
DA UNIÃO ESTÁVEL

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

STF - SÚMULA Nº 380 - Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.