Cônjuge sobrevivente e herança |
ZENO
VELOSO
Jurista
O correu, nesta semana, o Congresso de Direito de Família de
Santarém e do Baixo Amazonas, oportunidade em que foi instalado o núcleo
do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Houve conferências
de vários juristas, de diversos pontos do País - Porto Alegre, Curitiba,
João Pessoa, por exemplo - e da própria cidade de Santarém. O sucesso
foi completo. Centenas de pessoas se faziam presentes ao grande evento,
que, sem dúvida, constitui um marco histórico no desenvolvimento da
cultura jurídica na bela e promissora região. Cléo Bernardo haveria de
ficar feliz e orgulhoso. Na ocasião, falei sobre o
controvertido art. 1.829, inciso I, do Código Civil brasileiro, que
regula o direito sucessório do cônjuge sobrevivente (viúva, viúvo), em
concorrência com os descendentes do falecido (filhos, netos etc.). O
atual Código Civil colocou o cônjuge em posição de grande destaque. Já
falei sobre o tema, mas as dúvidas continuam, e são tantas que volto ao
assunto, que é cheio de controvérsias. Se falece o autor da herança
e deixa filhos e outro cônjuge, como se resolve a sucessão hereditária?
A regra é a de que o cônjuge sobrevivente vai concorrer com os filhos.
Mas o art. 1.829, inciso I, do Código Civil diz que não haverá concorrência
nos casos em que o casamento seguia regimes comunitários: de comunhão
universal, de comunhão parcial, ou se o regime foi obrigatório, cogente,
de separação, nos casos previstos no art. 1.641 do Código Civil. No
regime da comunhão parcial, há uma ressalva: o cônjuge irá concorrer
se o falecido deixou bens particulares, por exemplo, um imóvel que ele já
tinha antes de casar. Mas a concorrência, neste caso, só se dá a
respeito deste bem particular, e não com relação aos outros, dos quais,
por força do regime de bens, o cônjuge sobrevivente já é meeiro. Não
se deve confundir meação, que é figura do Direito de Família, decorre
do regime de bens do casamento, com herança, que é típica do Direito
das Sucessões, e vai ser transmitida por causa da morte de alguém. A
professora Maria Helena Diniz pensa diferentemente de mim e acha, neste
caso, se há bem particular, que o cônjuge sobrevivente vai concorrer com
os filhos com relação a toda a herança do falecido. Quando o regime do
casamento foi o da separação convencional de bens, vale dizer, aquele
que os nubentes escolheram e determinaram através de um pacto antenupcial
e em que não há meação, haverá concorrência entre o cônjuge
sobrevivente e os filhos do falecido. Caberá ao cônjuge quinhão igual
ao de um filho, como se ele fosse mais um filho do falecido. Assim,
existindo três filhos e o cônjuge, a herança vai ser dividida em partes
iguais - por cabeça, per capita - entre os filhos e o cônjuge (1/4 para
cada um). Mas é garantido ao cônjuge uma espécie de piso da herança,
uma quota nunca inferior a um quarto, se for ascendente dos herdeiros com
que concorrer. Muitas pessoas que se casaram pelo regime da separação absoluta de bens e que celebraram, portanto, o competente pacto antenupcial, mostram-se revoltadas e mesmo ‘traídas' diante da solução trazida pelo Código Civil de 2002. Não admitem que o cônjuge sobrevivente vá ter direito à herança, concorrendo, dividindo os bens com os filhos do falecido. E não há jeito, não se pode excluir o cônjuge da sucessão, pois ele é herdeiro necessário. O máximo que se pode é diminuir a sua participação na herança, dispondo, por testamento, da chamada 'metade disponível', determinando, por exemplo, que essa metade caiba aos filhos e a outra, que é a legítima, aí, sim, por força da lei, seja dividida entre os filhos e o cônjuge sobrevivente. 13.03.2009 |
Fonte: Jornal O Liberal - edição de 27.09.2008 |
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