direito  real de  habitação - separação obrigatória

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ZENO VELOSO
Jurista 

  Direito real de habitação

Mário Antônio e Heliana Maria, filhos de Pedro Cabral, ficaram muito preocupados quando souberam que o pai estava namorando uma moça mais nova que eles, e que a relação parecia séria, tanto que o “velho” havia dito a amigos que estava noivo e pretendia casar-se com Aracely, que tinha pouco mais de trinta e cinco anos e permanecia solteira. Pedro havia ficado viúvo há cerca de três anos.

E, realmente, casou-se com Aracely, embora, para tranquilidade dos filhos, o regime do casamento foi o da separação obrigatória, por força do art. 1.641,  inciso II, do Código Civil, considerando a idade avançada do noivo.

A relação dos enteados com a jovem esposa de Pedro foi a pior possível. Os dois filhos mantinham a convicção de que Aracely não amava o marido e aceitou casar-se com ele para subir socialmente na vida e ficar morando na bela casa que o marido possuía, em bairro nobre da cidade.

Passados dois anos do casamento, Pedro Cabral faleceu e Aracely, diga-se a bem da verdade, comportou-se no velório como uma viúva muito sofrida, soluçando alto, algumas vezes, o que comoveu os presentes.

Os filhos do falecido tinham conhecimento de que eram os únicos herdeiros, e que a viúva não concorria com eles, considerando o regime da separação obrigatória, conforme regulado no art. 1.829, inciso I, do Código Civil, e queriam entrar imediatamente na posse da casa e nela ir morar, pelo que notificaram a viúva, para que desocupasse imediatamente o imóvel, de propriedade deles.

Aracely ficou preocupada, pressentiu que tinha um problema grave para resolver e procurou um advogado para pedir ajuda e orientação. Aliás, conheço o referido advogado, dr. Fernando Guarácio, que, de fato, tem longa experiência forense, e ele disse à consulente que, realmente, ela não tinha direitos hereditários a respeito daquele imóvel deixado pelo marido, por aquela razão, acima mencionada, de o regime do casamento ter sido o da separação obrigatória de bens. Mas há um detalhe a seu favor, disse Guarácio, acendendo uma chama de esperança no espírito da preocupada Aracely, explicando que o imóvel servia de residência da família, era o local em que morava o de cujus com a esposa.

Em suma, a propriedade do bem, sem dúvida, é dos filhos do falecido, mas, por força do art. 1.831 do Código Civil, a viúva tem o direito real da habitação do mesmo imóvel. Vale a pena reproduzir o aludido art. 1.831: “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

O direito real de habitação pode ser extremamente gravoso para os herdeiros, quando o falecido deixou um único imóvel residencial, e é o caso que estou analisando, neste artigo. A viúva, enquanto viver, tem o direito de ficar no imóvel, morando nele, habitando-o. Trata-se de um direito real, personalíssimo e que só se extingue com a morte do titular. O habitador não pode, entretanto, alugar o imóvel, nem emprestá-lo, ou cedê-lo. Tem de utilizar o bem exclusivamente como residência, moradia. E não precisa pagar aluguel, nem coisa alguma, aos herdeiros. Mas, a meu ver, deve pagar as taxas de água, luz, bem como o IPTU do imóvel.

O Código Civil de 1916 dizia que esse direito real de habitação persistia enquanto o cônjuge sobrevivente permanecesse viúvo. O Código Civil vigente não trouxe essa previsão e, como as restrições não se presumem na lei, há o entendimento generalizado de que o viúvo ou a viúva, mesmo casando-se novamente, ou estabelecendo união estável, poderá continuar vivendo, habitando e morando na casa em que outrora viveu com o falecido. Convenhamos, essa é uma situação que não  devia ocorrer. Daniel Blikstein, em bela monografia que acaba de publicar - “Direito real de habitação na sucessão hereditária, Del Rey - BH, página 215”- , tem a gentileza de registrar minha posição a respeito da matéria, e conclui “Melhor seria que o direito real de habitação cessasse  com o fim da viuvez, visto que quem constitui nova união ou novo casamento, presumidamente, deve ter condições de subsistência da nova família”. Flávia Danin, acadêmica de Direito, e que digitava este artigo, exclamou: “é claro que o dr. Blikstein tem toda a razão. É um absurdo que a viúva continue morando na casa e ainda leve o novo marido para ir viver com ela no mesmo imóvel”.„

07.11.2015 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 26.11.2011

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