Dívidas   do   defunto

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ZENO VELOSO
Jurista 

Severina e Randolfo até que foram felizes no casamento, descontados alguns sobressaltos por causa da atividade comercial do marido, cheia de altos e baixos. Mais baixos do que altos! Não foram poucas as vezes em que a esposa teve de receber a constrangedora visita de oficiais de Justiça, com citações para que o marido comparecesse ao fórum, e se defendesse em ações de cobrança. Certa vez, a própria residência da família foi penhorada, mas um advogado habilidoso, Luiziano Cavallero, entrou com recurso, invocando os benefícios da Lei nº 8.009/90, e a penhora foi desfeita, por ser o imóvel bem de família.

Quando Randolfo morreu, há quatro meses, surpreendido por um ataque cardíaco, deixou algumas dívidas com fornecedores, dois bancos e um agiota de quem havia emprestado dinheiro. Mas era dono da casa em que vivia, de uma pequena fazenda em Nova Timboteua, dinheiro depositado em banco e de dois apartamentos que havia comprado na planta e, dizia, iriam morar seus dois filhos, um rapaz e uma moça.

Ele, estudante de Medicina, fã do dr. Henrique Ribeiro Neto; ela, acadêmica de Direito, admiradora das professoras Sumaya Saady Morhy Pereira e Cristina César de Oliveira.

Os  credores  de  Randolfo  não deixaram transcorrer nem mesmo a missa de 30º dia, e passaram a dar telefonemas à viúva, inquirindo sobre o pagamento das dívidas, vencidas e não pagas, querendo saber quem as pagaria, como e quando seriam quitadas.

Conversando com uma comadre, a quem transmitiu a sua preocupação e o medo de vir a perder os bens, Severina gostou do que ouviu da amiga. Ela disse: “Não sou doutora nem nada, jamais passei por faculdade, mas aprendi muita coisa por essas estradas da vida, e posso te garantir: com a morte do devedor, as dívidas ficam extintas. Dívida de defunto não se paga, podes crer”.

Feliz, tranquila, a viúva contou o caso aos filhos. A moça, que ainda não havia dado Direito das Sucessões, desconfiou da informação, mas não tinha segurança, e sugeriu que a mãe me procurasse e pedisse uma opinião, alegando que havia comparecido a uma palestra que eu havia dado no auditório do Hangar, e o assunto tinha sido abordado. Eis a motivação do escrito de hoje. Infelizmente, o parecer da comadre está “furado” e a situação dos filhos e da viúva de Randolfo requer alguns cuidados.

Com a morte do devedor, as dívidas que ele deixou não são extintas, não ficam automaticamente quitadas, coisa alguma, e precisam ser pagas, sim. O patrimônio que era do falecido responde pelas dívidas que não honrou, em vida. Forçando um pouco na imagem: é o próprio defunto que paga as suas dívidas. Em suma: a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, como estatui o artigo 1.997 do Código Civil.

Os herdeiros não ficam com o seu próprio patrimônio vinculado às obrigações assumidas pelo falecido. Vão ter de pagar as dívidas deixadas pelo “de cujus”, sim, mas utilizando os próprios bens e recursos que o morto deixou, daí a disposição do artigo 1.792, primeira parte, do Código Civil: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança”.

Assim sendo, antes de os bens hereditários serem entregues aos sucessores, têm de ser pagas as dívidas do que deixou a vida terrena. Portanto, é possível existir herdeiro sem herança, “mala suerte”, sendo o caso do herdeiro que acaba não recebendo nenhum bem, pois todos foram utilizados para quitação das dívidas.

E se o defunto deixou alguns bens, mas dívidas superiores ao valor dos bens? Ou se o morto deixou dívidas, e nenhum bem? Quando dou aula sobre o tema, para efeito didático, meio a sério, meio na brincadeira, afirmo que, nessas hipóteses, o credor só pode cobrar do devedor na vida espiritual, quando e se os dois se reencontrarem no outro mundo.

P.S .: Na  “Questão  de  Direito”, programa (excelente) da TV Liberal, quarta-feira passada, diante da inteligente e segura apresentação do jornalista João Jadson, falando a respeito do regime de bens no casamento e na união estável, e respondendo a várias perguntas dos telespectadores, o professor Leonardo Pinheiro da Silva deu uma verdadeira aula sobre a matéria.

03.12.2012 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  03.03.2012 

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