Com
a chegada do ano novo foram renovadas as esperanças no que diz respeito
as questões ligadas a justiça. Esperamos maior celeridade na prestação
jurisdicional, acesso facilitado aos menos favorecidos e principalmente
o respeito aos direitos constitucionais assegurados em nossa Carta Política
por parte daqueles que detêm o poder econômico e estatal.
Almejamos uma correta e justa aplicação do direito em benefício de
todos. Porém ainda deveremos enfrentar muitos desafios para alcançar a
efetivação dos direitos estatuídos em nossos organismos legais.
Um
desses desafios é a questão ligada a suspensão do fornecimento de
serviços essenciais para a sobrevivência do ser humano como a energia
elétrica e a água pois recebemos junto a fatura de energia elétrica
um contrato de adesão intitulado de “contrato de prestação de serviço
público de energia elétrica para unidades consumidoras atendidas em
baixa tensão”.
A cláusula quinta do referido contrato aborda a questão da suspensão
do fornecimento dispondo que: “Não se caracteriza como
descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência,
conforme os itens 1 e 3 abaixo, ou após prévio aviso, conforme os
itens 4 e 5:
Item 5- falta de pagamento da fatura de energia elétrica”
Além disso, o contrato ainda possui em seu rodapé as logomarcas da
ARCON (Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos)
e da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Referida cláusula esquece que o serviço de fornecimento de energia elétrica
é público, essencialmente público, por expressa determinação
constitucional (CF, art. 21, XII, b). Por isso, não pode ser tratado
como se privado fosse, submetido, mesmo que não de forma absoluta, aos
interesses pessoais dos empresários. Diante disso, deve prevalecer o
princípio da continuidade dos serviços públicos, implicitamente
agasalhado pelo texto constitucional, em consonância com os demais
princípios, garantias e direitos fundamentais prestigiados pela
Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou
entendendo que: “Seu fornecimento é serviço público, subordinado ao
princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e
muito menos por atraso no seu pagamento” (Decisão unânime da
Primeira Turma do STJ, que rejeitou o recurso da Companhia Catarinense
de Águas e Saneamento- CASAN. Proc. RESP 201112)
O culto Ministro José Augusto Delgado em julgamento de recurso (nº
8.915/MA-(97/0062447-1) interposto pela Companhia Energética do Maranhão
CEMAR pronunciou-se da seguinte forma:
“3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população,
constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio
da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua
interrupção; 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor,
aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público; 5. O
corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de
tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade; 6. Não há de se
prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente,
quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em
largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido,
aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla
defesa; 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos
essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas
a beneficiar a quem deles se utiliza.”
No Pará conseguimos com a impetração de mandado de segurança, sentença
de mérito prolatada pela juíza (aposentada) titular da 23º Vara Cível
de Belém Ruth do Couto Gurjão fundamentada no artigo 6º, inciso VI e
X e art. 22, ambos do código de defesa do consumidor, c/c o art. 170 e
art.5º, inciso XXXXV da lei básica a declaração de ilegalidade do
ato ruptura do fornecimento de água no imóvel de nossa cliente por
falta de pagamento.
Assim denotamos que tanto na jurisprudência local e das Cortes
Superiores baseadas na legislação vigente, não há justificativas
para a prática abusiva do corte no fornecimento energia elétrica por
falta de pagamento para cobrança de dívidas, expondo o consumidor a
constrangimento, sendo certo que existem mecanismos legais de cobrança.
Há que se referir que aos juízes é permitido o controle das cláusulas
e práticas abusivas. Destarte, faz-se necessário a providência
jurisdicional, em prol dos consumidores, para que o direito consagrado
no CDC não seja violado com o corte no fornecimento de energia elétrica
que é considerado serviço essencial, coibindo o abuso na cobrança,
que deve ser efetuado pelos meios legais em direito admitidos.
Nos casos de inadimplência, portanto, cabe á fornecedora, com
resguardo do Princípio da Isonomia, ingressar em juízo para cobrar
quanto lhe é devido para que o juiz, que representa o Estado e diz o
direito (jurisdição), possa determinar a providência.
Por
fim queremos esclarecer que não somos favoráveis a inadimplência e
nem contrário a cobrança pelo serviço prestado pela fornecedora da
energia elétrica. O que postulamos é apenas o respeito ao devido
processo legal e as normas constitucionais e legais não deixando ao
talante do fornecedor a decisão que cabe ao Poder Judiciário.
Assim esperamos que os órgãos responsáveis pela fiscalização dessas
empresas denunciem este contrato de adesão imposto a todos os
consumidores no sentido de retirar a cláusula que permite a suspensão
do fornecimento energia elétrica pela falta de pagamento sem que seja
submetido a apreciação do Judiciário a legalidade do ato que pode
gerar danos materiais e morais espelhando grave repercussão negativa na
vida e dignidade do cidadão comum.
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