Enteado e nome do padrasto

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ZENO VELOSO
Jurista 

Clodovil Hernandez, com certeza, não era uma pessoa comum, vulgar. Estilista, apresentador de televisão, ingressou na política e foi deputado federal pelo Estado de São Paulo, com quase meio milhão de votos. Foi o quarto deputado mais votado no último pleito, em todo o país. Era extremamente polêmico, elitista, controvertido. Não tinha, como se diz, “papas na língua”.

Morreu no mês passado. Deixa saudades em muita gente, mas há outros que não vão sentir falta nenhuma dele.

Numa de suas entrevistas, Clodovil garantiu que Brasília era uma cidade de quinta categoria, mal acabada, mas, em compensação, os empreiteiros, que manipularam as obras, estão riquíssimos. “O prédio da Câmara está caindo aos pedaços” e, por isso, disse que só saía de seu gabinete para ir ao plenário votar. Não obstante, muitas pessoas vinham conhecer seu gabinete, que tinha uma decoração especial, sofisticada, nem parecia que fazia parte de uma repartição. 

Garantiu que não era possível resgatar a ética da Câmara, pois ela é o reflexo do Brasil, concluindo: “O problema é que o brasileiro se vende barato. É só o político dar uma cesta básica que ganha o voto. Isso acontece no país inteiro, é uma tradição que vem dos índios. Eles se vendiam por colares e espelhinhos”.

Nosso personagem era homossexual, assumidamente, mas não participava da luta pelo reconhecimento dos direitos civis dessa minoria. Perguntado por que não apresentou nenhum projeto defendendo o direito dos homossexuais, respondeu: “Deus me livre. Quais direitos? Direito de promover passeata gay? Não tenho orgulho de transar com homem”.

É lamentável que Clodovil não tenha usado de sua fama, de seu prestígio para a melhoria das condições de vida dos homossexuais, dos que estabelecem uma união homoafetiva, como denomina a professora Maria Berenice, e são vítimas  do preconceito e violência.

Dois projetos do deputado Clodovil são de grande importância. Num deles, queria, simplesmente, que a quantidade de deputados federais fosse reduzida pela metade. Se dependesse de um plebiscito, essa ideia seria aprovada pela quase unanimidade dos votantes, não tenho dúvidas. O outro projeto, que, aliás, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, pretende alterar a Lei dos Registros Públicos (lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973), para autorizar que o enteado possa acrescentar o nome do padrasto, junto com o do pai biológico. Na justificativa, argumentou que a relação entre padrastos e enteados não deveria ser legalmente diferenciada da relação entre pais e filhos biológicos.

No Direito de Família, hoje, deve prevalecer a relação afetiva.

Ao lado da filiação biológica há uma filiação socioafetiva, digna do maior respeito e consideração. Num escrito pioneiro e famoso, de 1979, intitulado ”Desbiologização da Paternidade”, o catedrático mineiro João Baptista Villela adverte que ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstância de amar e servir. Em meu livro, “Direito brasileiro da filiação e paternidade” (Malheiros – SP, 1997), que foi prefaciado por mestre Villela, abordo a longa e firme evolução do conceito de filiação.

Aliás, até pelo alto significado cristão deste sábado, vamos relembrar que José, o carpinteiro, o bom e santo José não era o genitor biológico, mas, sem dúvida, foi o pai socioafetivo de Jesus.

Quanto à proposta de Clodovil e a possibilidade de introdução do nome do padrasto, vou relembrar um fato que ocorreu aqui em Belém: há muitos anos, em 1985, a pedido de um querido amigo (vou chamá-lo de “S”), cujo advogado era o saudoso Paulo Klautau, dei um parecer em favor da tese de que uma enteada e filha de criação, que tinha 12 anos de idade e desde pouco mais de um ano vivia em companhia do padrasto (vou chamá-la de “K”), pudesse acrescentar ao seu o nome de família de seu pai de criação. O parecer foi publicado na Revista de Direito Civil (RT/SP, nº 36, abril/junho de 1986).

O Poder Judiciário paraense, numa decisão histórica, verdadeiramente pioneira e progressista, autorizou a inclusão, no caso, do nome de família do padrasto.

26.08.2010 

Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" -  11.04.2009 

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