FORO   PRIVILEGIADO   DA   MULHER

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ZENO  VELOSO
Jurista
 

                           

 Falei, ontem, com o desembargador Lourival Serejo, do Tribunal de Justiça do Maranhão, cuja excelente palestra, aqui, no IV Congresso Paraense de Direito de Família, ainda está repercutindo. Aproveitei para dizer a ele, civilista e processualista exímio, que ira escrever sobre tema processual.

E começo transcrevendo o art. 94, caput, do Código de Processo Civil CPC: 'A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre móveis serão propostas, em regra, no foro do domícilio do réu'. Foro é a circunscrição territorial judiciária onde a causa deve ser proposta, e este artigo fixa a norma básica para a determinação da competência: o domicílio do réu. É foro geral. E se trata de princípio universal, ancianíssimo, que os romanos exprimiam assim: 'Actor sequitur forum rei' = 'O autor segue o foro do réu'.

Pelo exposto, é o domicílio do réu e não o do autor, que, no geral dos casos, determina a competência. Todas as ações contra o réu devem ser propostas no foro de seu domicílio. Mas o CPC, para atender situações relevantes, excepcionais, quebra o princípio do art. 94 e fixa regras especiais de competência, como a do art. 100, inciso I: 'É competente o foro da residência da mulher para a ação de separação dos cônjuges e da conversão desta em divórcio e para anulação do casamento'.

Trata-se, como se vê, de uma norma protetiva, a favor da mulher, que nasce do pressuposto de que ela é a parte mais fraca, carecedora de maior apoio e socorro, e merecedora de especial tutela. Antes da Constituição de 1988, quando vigoravam muitos preceitos que discriminavam a mulher brasileira, o art. 100, I, do CPC, era, sem dúvida, uma norma compensatória, que seguia os ditames da proporcionalidade e da razoabilidade.

Após a entrada da Constituição de 1988, diante do princípio da igualdade (art. 5º, caput e inciso I) e da igualdade dos cônjuges quanto aos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (art. 226, § 5º), além do notório crescimento social, cultural e econômico da mulher em todos os setores da vida brasileira, nestes últimos 20 anos, não estará aquela norma discriminatória do art. 100, inciso I, do CPC fulminada de inconstitucionalidade? Alguns dizem que não, argumentando que o descrímen é legítimo e não se trata de uma desequiparação fortuita e injustificada, para usar expressões de Celso Antônio Bandeira de Mello. O tema, sem dúvida, é polêmico. Mas está aumentando o rol dos que entendem que o dito art. 100, inciso I, do CPC saiu de moda, entrou em contradição com a modernidade, perdeu o sentido e a atualidade, não devendo mais ser aplicado, porque não existem, agora, os motivos e as razões que ensejaram a sua introdução em nosso direito positivo. Os tempos são outros e, no estágio atual da sociedade brasileira, não tem mais cabimento manter uma solução que abre exceção tão grave e profunda à regra geral de determinação da competência jurisdicional pelo foro do réu. Vale recordar a advertência do saudoso mestre Hélio Tornagui (Comentários ao CPC, 2º ed., São Paulo: RT, v.I, p.334): 'Por vezes, o remédio legal poderá produzir o mal oposto, colocando nas mãos da mulher um instrumento para dificultar a defesa do marido'. Por exemplo: a mulher domiciliada com o marido no Rio Grande do Sul pode mudar a residência para o Acre, e ali pedir separação, sem que ele possa fazer alguma coisa para evitar a competência do foro acreano; se a mulher abandona o lar no Pará para viver com o amante em São Paulo, aí é que o marido terá de mover a ação de separação.

Como o espaço está acabando, vou citar a lição de somente dois autores, no sentido de que o art. 100, inciso I, do CPC não mais deve ser aplicado.

Arnaldo Rizzardo (Direito de Família, Forense: Rio, 2005, p. 315) expõe que, atualmente, quando a igualdade de direitos entre o marido e a mulher é incontestável, não se faz mais necessária a regra protetiva, e que a solução mais coerente seria definir a competência pela regra comum, que é a da residência do réu. Yussef Said Cahali (Divórcio e Separação, São Paulo: RT, 9º ed., 2000, nº. 57, p. 527) aponta: 'Temos para nós que já não prevalece o foro privilegiado, assim estabelecido a benefício da mulher casada, porquanto conflita com o princípio da igualdade entre os cônjuges, proclamado no art. 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988'.            

30.04.2008 

Fonte: Publicado no "O Liberal" edição de 12.04.2008

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