Caso em que imóvel deixado pelo pai não irá para os filhos 

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ZENO VELOSO
Jurista 

          Pedro Pereira era um homem muito rico e amigo de um jovem casal. João, afilhado dele, era casado em segundas núpcias com Ana Paula. Do primeiro matrimônio, João tinha três filhos, que jamais tinham aceitado o novo relacionamento do pai e odiavam literalmente a madrasta.

          Pedro doou a João e Ana Paula um luxuoso apartamento. Eis que, num acidente de trânsito, João faleceu e foi aberto seu inventário. A viúva nomeou um assistente e os três filhos nomearam outro. O único bem de grande valor deixado foi o apartamento que havia sido doado por Pedro. Como João e Ana Paula eram casados sob o regime convencional da absoluta separação de bens, os interessados, que não se comunicavam pessoalmente, foram informados de que a partilha do apartamento seria feita da seguinte maneira: metade do bem é de propriedade da viúva, não por ela ser meeira, mas porque a doação do imóvel havia sido feita por Pedro ao casal (João e Ana Paula); e a outra metade, que pertencia ao falecido cônjuge, seria dividida entre a viúva (Ana Paula) e os três filhos do de cujus (João), ou seja, uma quarta parte da metade ficaria para cada um, aplicando-se, neste caso, a norma do artigo 1.832 do Código Civil brasileiro, que diz: “Em concorrência com os descendentes (artigo 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”.

          Neste pé estava a questão, quando sou chamado para dar uma opinião, e devo dizer, desde logo, que a partilha que está sendo apresentada não é a correta. E alerto, também, que, desde o Código Civil anterior, a solução que dava a lei para o caso muitas vezes não foi observada, como não está sendo no exemplo acima dado.

          Trata-se do seguinte: quando a doação de um imóvel é feita a um casal, isto é, ao marido e à mulher, são os dois condôminos do bem, cada um é dono da metade dele. Note-se bem, não por causa do regime de bens, mas por força da doação. E o artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, que corresponde ao artigo 1.178 do Código Civil de 1916, abrindo uma poderosa, importante e pouco conhecida exceção à regra do Direito das Sucessões, estabelece que, neste caso, falecendo um dos cônjuges, a parte que era dele no imóvel acresce à do outro cônjuge. Assim sendo, o cônjuge sobrevivente (viúva ou viúvo), que era dono apenas da metade do bem, passa a ser, automaticamente, dono da totalidade do mesmo, não importando o regime de bens adotado pelo casal.

         O preceito legal a que estou me referindo não está no livro do Direito das Sucessões; porém, consta no livro do Direito das Obrigações, no contrato de doação. Trata-se do artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, antes citado, que diz: “Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual. Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo”.

         Sobre o assunto, meu caro amigo e desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Jones Figueirêdo Alves, na obra coletiva “Novo Código Civil Comentado” (coordenada pelo deputado Ricardo Fiúza, 2ª edição atualizada, São Paulo: Saraiva, 2004, página 497), esclarece: “No caso dos donatários casados entre si, há uma perfeita mutualidade legal para o direito de acrescer: o cônjuge sobrevivo assume, por direito exclusivo, em substituição, a proporção igualitária do outro que faleceu, subsistindo a totalidade da doação em seu favor, não passando o bem aos herdeiros necessários”.

       Em síntese: por aplicação do artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, que afasta para o caso as regras do Direito das Sucessões, o dito apartamento, outrora doado por Pedro à Ana Paula e a João, com a morte deste último, passa a ser inteiramente de propriedade da viúva, que já era a dona da metade do bem. Os três filhos de João, infelizmente, para eles, embora sendo herdeiros necessários do falecido, com relação ao dito apartamento não terão direito a nada e coisa alguma. Dura lex, sed lex - a lei é dura, mas é a lei.

06.08.2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição 30.07.2005

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