O JUIZADO ESPECIAL E A CONSTITUIÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

www.soleis.adv.br 

CRISTIANO MAGALHÃES GOMES
Juiz de Direito
 

                           

     Um conhecido chamado Expertus da Silva, me confidenciava que estava indignado por ter sido condenado a pagar indenização a um consumidor, em razão da decretação da revelia da empresa (pessoa jurídica de direito privado), da qual é sócio, apesar de estar presente à audiência.

Explicava que certo dia um cliente chegou a seu restaurante por volta das 23:00h, entrou, acomodou-se em uma das mesas e, após certo tempo, fez seu pedido ao garçom.

Nesse instante, o funcionário de Expertus, informou ao cliente que não mais poderia atendê-lo, pois, como havia, no município, lei determinando o fechamento de bares e restaurantes às 24:00h sob pena de multa, não daria tempo de preparar sua refeição até aquele horário.

Indignado, por ter que ficar com fome o resto da noite, o cliente se retirou do local aos gritos. Expertus também estava chateado, pois tinha perdido aquela venda, mas estava ciente de que cumpria a Lei.

Alguns dias depois, para surpresa de Expertus, ele estava recebendo um mandado de citação e intimação de uma reclamação formulada por aquele cliente contrariado, contra seu restaurante, que na verdade é uma sociedade, formada por ele próprio, sua esposa, seu sogro e sua sogra.

Recobrado do susto, Expertus verificou que o cliente havia alterado a verdade na reclamação, deixando de dizer que o restaurante não lhe serviu, por estar cumprindo a lei, mas sim, dizendo levianamente que o restaurante não lhe serviu por lhe haver discriminado, pedindo-lhe a título de indenização por danos morais a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia essa, astronômica para os padrões de Expertus.

Expertus reuniu a família, contou o que havia acontecido e todos chegaram à conclusão de que não precisavam ter medo, pois, como estavam cumprindo uma determinação legal, estavam amparados. Era tão clara a defesa, que resolveram não contratar um advogado para defendê-los.

Chegado o dia da audiência de conciliação, Expertus, com raiva do cliente, resolveu nomear um preposto da empresa, para que este fosse até o Juizado e dissesse em alto e bom som, que não queria qualquer tipo de acordo, pois estava amparado por lei.

Meu amigo Expertus então preparou a carta de preposição e separou a última alteração do contrato social, entregou a seu funcionário e o mandou à audiência.

Algumas horas depois, o preposto retornou, contando que compareceu à audiência e cumpriu a determinação do chefe, dizendo ao cliente que a empresa não desejava fazer acordo. Esclareceu ainda o preposto que, diante daquele fato, o Conciliador havia designado uma nova data, mas já para audiência de instrução e julgamento, diretamente com o Juiz, devendo as partes levarem as suas testemunhas, se quisessem.

Dia da audiência de instrução, Expertus estava resolvido a comparecer pessoalmente, queria se saciar da expressão do, agora, ex-cliente, diante da derrota.

Hora da audiência, feito o pregão, as partes já na sala de audiência, o Juiz pergunta: “existe possibilidade de acordo entre os Senhores ?”, no que de imediato Expertus respondeu que não. O Juiz verificou mais uma vez o processo e disse: “Senhores, entendam que é sempre melhor um mau acordo do que uma boa briga, será que realmente não teria uma forma de acordo?”. Expertus, intransigente, foi logo dizendo que não.

Então disse o Juiz, a seu secretário, escreva: “Decisão: A empresa reclamada não apresentou seu ato constitutivo devidamente inscrito no registro, na audiência de conciliação, momento em que se comprovaria sua existência e a pessoa habilitada a nomear o preposto. As atas das reuniões que deliberam alteração no contrato social, não substituem o documento legal específico. Ante o exposto, tendo em vista que as provas carreadas não destoam da realidade fática apresentada na reclamação, decreto a revelia do reclamado e em conseqüência, julgo totalmente procedente o pedido, condenando a sociedade reclamada a pagar ao Reclamante o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos morais, devidamente corrigidos, desde o fato. Custas e honorários na forma de lei. P.R., partes intimadas em audiência...”.

Nesse instante, tive que interromper meu amigo, para esclarecer que, segundo o art. 45 do CC, a existência legal da pessoa jurídica de direito privado começa com a inscrição do seu ato constitutivo no respectivo registro, e que todas as alterações por que passar o instrumento deverão ser averbadas no referido registro.

Informa também o art. 987, ainda do CC, que os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.

Ora, sabendo-se que o procedimento do Juizado deve atender aos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, cabe a sociedade apresentar sempre o contrato social e sua última alteração junto com a carta de preposição, se for o caso, na primeira audiência, neste caso na de conciliação.

Esclareci, ainda, para desespero de meu amigo Expertus, que não adiantaria nem recorrer, pois são inúmeras as decisões no mesmo sentido da que lhe foi proferida em seu desfavor.

Informei, também, que, além do pagamento das custas de preparo do recurso, em caso de não provimento, ou seja, indeferimento, ainda seria imposto o pagamento das custas de todo o processo, além das verbas honorárias, podendo inclusive ser ele considerado litigante de má-fé, por interpor recurso com intuito manifestamente protelatório, sendo multado e obrigado a indenizar a parte contrária dos seus prejuízos.

Aceitando minha explicação, Expertus se conscientizou de que deveria ter contratado um advogado para defendê-lo. Despedimos-nos e meu amigo entrou na agência bancária, que mantém sua conta-corrente, com a finalidade de conseguir logo um empréstimo e cumprir a sentença, sob pena de ainda poder ter a conta-corrente de sua sociedade, bloqueada em fase de execução, por determinação do Juizado, de forma on-line, o que com toda certeza lhe traria muito mais prejuízo.  

             

09.09.2006 

Fonte: Remetido por e-mail

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site