Leis é que não faltam |
Zeno
Veloso
Jurista
Conta a lenda que um
governador do Pará teria afirmado: 'lei é potoca'. Pode ser que não
seja, mas, no Brasil, por causa de um perverso atraso social e cultural, há
leis que 'pegam' e leis que 'não pegam'. José de Oliveira Ascensão,
catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, meu mestre português, no
livro 'Introdução à Ciência do Direito', 3ª ed., página 296, observa
que, no Brasil, 'a veneração ideológica da lei coexiste com o seu
desrespeito freqüente'. Sem dúvida, este é um de nossos maiores
problemas. Essas reflexões vêm à
baila por causa de uma recente decisão do Conselho Nacional de Justiça -
CNJ, que recebeu grande repercussão no país, e ordena aos juízes que
residam, efetivamente, nas comarcas onde trabalham. Obviamente, em razão
de alguns juízes não residirem em suas comarcas resolveu o CNJ editar
regulamento a respeito. Todos receberam a
iniciativa do CNJ com as melhores esperanças, e deram suas opiniões
neste jornal, edição de 4ª-feira, 23 de janeiro. A presidente
licenciada da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Pará, Ângela
Salles, louvou a iniciativa do CNJ, afirmando que, agora, finalmente, os
advogados poderão ver solucionado o problema que tem sido motivo de
reiteradas cobranças da OAB ao Poder Judiciário, que é a permanência
efetiva do juiz na comarca em que trabalha. Manifestou-se também
sobre o assunto o procurador-geral de Justiça, em exercício, Almerindo
Leitão, dizendo que a determinação do Conselho Nacional de Justiça é
uma conseqüência direta da Emenda nº 45, conhecida como Reforma do
Judiciário, que já previa tal providência. De fato, a Emenda
Constitucional nº 45 deu nova redação ao inciso VII do art. 93 da
Constituição Federal: 'o juiz titular residirá na respectiva comarca,
salvo autorização do tribunal'. Um grupo de procuradores do Estado do
Pará escreveu um livro amplamente divulgado no Brasil, publicado pela
editora Saraiva, que tive a honra de coordenar, juntamente com Gustavo Vaz
Salgado, constando nessa obra (página 65) que a nova redação do inciso
VII do art. 93 trouxe uma exceção à regra de que os magistrados devem
residir nas comarcas em que atuam: 'De acordo com o mencionado
dispositivo, o tribunal pode autorizar que o juiz resida em comarca
diversa'. A desembargadora Albanira
Bemerguy, presidente do Tribunal de Justiça do Estado, advertiu que a
presença de juízes nas comarcas do interior foi disciplinada pelo TJE,
através da Resolução nº 31, publicada em setembro de 2007, portanto,
era assunto que já estava previsto. O colunista Bernardino
Santos, advogado e jornalista, entrou na discussão e sob o título 'Só
os juízes?' lembrou que a Justiça depende, também, que morem nas
respectivas comarcas os promotores e defensores públicos. Nada mais lógico
do que isso. A Constituição do Pará
tem um capítulo avançadíssimo relativo ao Judiciário. Basta lembrar
que a Carta paraense, promulgada em 1989, numa antecipação histórica e
louvável, já previa a existência de um Conselho Estadual de Justiça.
No art. 151, inciso VII, em regra de amplitude maior do que a contida no
art. 93, inciso VII, da Constituição Federal, prevê que o juiz residirá
na respectiva comarca, dela não podendo ausentar-se sem prévia e
expressa licença do Tribunal. Como se vê, nossa Constituição estadual
regulou a matéria. E, meu caro leitor, há
uma outra lei, mais antiga, anterior a tudo isso que acima foi apontado, a
famosa Loman - Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ou seja, a Lei
Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, que foi recepcionada pela
Constituição de 1988, e enuncia no inciso V do art. 35 que o juiz deve
residir na sede da comarca, salvo autorização do órgão disciplinar a
que estiver subordinado. Trata-se, portanto, de um dispositivo velho, de
quase 30 anos! Será que os juízes, sem
exceção alguma, vão morar e estar sempre presentes nas respectivas
comarcas porque a ordem emanou, atualmente, do Conselho Nacional de Justiça?
Se for assim, uma simples resolução, de órgão que nem mesmo é eleito
pelo povo, terá mais força, valor e eficácia do que uma lei
complementar, do que a própria Carta Magna. Balbúrdia jurídica maior, não
pode haver. Tenho dito - e faço isso com imenso desconforto - que nosso país é campeão mundial de produção legislativa, mas, para vergonha da gente, campeão mundial, igualmente, do descumprimento das leis que produz. Até quando?... 27.11.2009 |
Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 26.01.2008 |
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