MISSÃO
DE UM MAGISTRADO NA SOCIEDADE MODERNA
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Adriano Gustavo Veiga Seduvim
Juiz de Direito
Comarca de Senador José Porfírio / Pará
Todas as pessoas deveriam saber antes de emitirem qualquer opinião à
respeito do assunto, que a vida de um magistrado não é um mar de
sonhos como a maioria pensa. O Magistrado é vergastado em sua tranqüilidade,
com a obrigação de dar a solução justa. Que ele às vezes tem filhos
sadios, às vezes com problemas de saúde, às vezes com defeito físico
ou mental. Que o magistrado tem problemas, vícios, angústias,
problemas conflitivos, tem desesperos, crises, amor, ódio, tem tudo o
que qualquer pessoa normal tem. E acima disto, ele não nasceu
magistrado.
Seria bom que todos vissem a realidade de algumas Comarcas, onde fiquei
sabendo que em outros tempos, o juiz não tinha nem papel para
trabalhar, e que o risco de se trabalhar era constante. Poderia até
dizer, que grande parte das pessoas que se inscrevem em concursos,
desistiriam se pudessem sentir alguns destes lugares.
Antes de entrar na carreira da magistratura, eu vivia no meu mundo
formal. Não sabia da verdadeira realidade do jurisdicionado. Não sabia
que para ele, a própria existência do poder judiciário não é
fundamental, até porque, este existe nas grandes cidades. Mas o
jurisdicionado não mora no centro. Ele mora na zona rural, no travessão
da transamazônica, na comunidade ribeirinha, na periferia, nos
barracos, nas favelas, nos cortiços, e lá onde ele está, não tem
juiz.
Então, depois de me deparar com esta realidade, tenho estado em luta
comigo mesmo, digamos assim, crise funcional sobre qual a finalidade de
meu serviço, de minha atividade, de minha responsabilidade como juiz,
homem e cidadão. Pensei que como juiz, não me devia importar com o
povo. Simplesmente entendia que tinha um só compromisso – com minha
consciência e com a lei que deveria aplicar, pensando apenas em fazer
sentenças bonitas e em linguagem difícil, com citação de autores
famosos, especialmente estrangeiros, para que ficassem bem rebuscadas.
Era tão importante que extraía cópia e guardava cheio de
contentamento.
Pouco importava se o jurisdicionado entendesse o que eu escrevia,
porque, ah! Ele não sabe ler mesmo. Para que eu escreveria para ele?
Ele é ignorante. Não iria ler minha sentença e, se lesse, não
entenderia.
Depois desta fase inicial, após este contato próximo com o dia a dia
do trabalho no interior, juntamente com a leitura de alguns livros, pude
ter uma outra visão sobre a Deusa de Olhos Vendados.
É hora de o juiz mostrar que a Deusa não tem olhos vendados. O símbolo
de uma justiça cega já é passado. É mito que deve cair à maneira do
muro de Berlim e da tecnoburocracia soviética.
Conta a lenda que a Deusa Themis tem os olhos vendados para não saber a
quem deve julgar, para não ser impressionada e para que não haja
injustiça na decisão. Outra versão conta que o manejo da espada e da
balança não pode ser feito com os olhos vendados. A venda é uma burla
à justiça.
A venda serviria então, para que a justiça assinasse tudo o que fosse
colocado a sua frente, cometendo as mais torpes injustiças! Tanto assim
é, que no símbolo existente no palácio da Paz, em Haia, a deusa tem
os olhos abertos, para não se deixar iludir nem vender, e para que
saiba fazer justiça.
O Judiciário nos dias de hoje, não pode ser encarado como entidade autônoma,
impermeável a influencias políticas e sociais, pois como elemento
componente da máquina do Estado, encarregado da aplicação da lei e
da composição de conflitos, o judiciário tende a reproduzir o próprio
perfil deste estado, cabendo ao juiz da sociedade moderna, não
confundir sua imparcialidade com sua indiferença diante das relações
de natureza econômica e social, existente entre partes envolvidas em
litígio.
O comportamento do Juiz deve ser transparente à altura de sua toga.
Deve o Juiz transformar-se, porque transformada está a realidade e,
quanto mais alterada, mais se altera a posição do magistrado. Ele não
pode deixar de acompanhá-la, sob pena de ficar afastado da realidade
que o cerca, pois como diria o nobre colega e professor Regis de
Oliveira: “infeliz é o Juiz que não
percebe que há vida além do processo.”
O grande doutrinador Cândido Dinamarco faz uma distinção de extrema
importância, dentro da perspectiva do papel do juiz dizendo que: “O
Juiz moderno compreende que só lhe exige imparcialidade no que diz
respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e recusa a
estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras
de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera, porém, a
indiferença.”
Deduz-se, portanto, que a neutralidade do juiz não pode ser confundida
com uma insensibilidade, em face das relações de natureza econômica e
social, existentes entre partes envolvidas em um litígio. Como está
mais próximo do caso concreto, o juiz é capaz de, partindo da lei
positiva, criar uma norma “viva”, aplicável a determinado caso
concreto, pois utilizando-se de mecanismos de interpretação e integração
normativa e principalmente por sua razoabilidade, os códigos tornam-se
socialmente relevantes.
O apego desmedido à doutrina da separação de poderes não pode servir
de fundamento para uma postura omissiva por parte do Poder Judiciário,
em face de seus compromissos sociais e do pleno cumprimento de sua função
constitucionalmente estabelecida.
O Julgador deve agir em consonância com a lei e não ter os seus passos
absolutamente determinados pela lei. Esta tem função de estabelecer
limites para a sua atuação, a fim de que não ocorram desmandos. Por
outro lado, não deve castrá-lo a ponto de comprometer a própria
instrumentalidade do processo, criando um universo particular, estanque,
completamente divorciado da realidade social e da tarefa primordial de
pronunciar uma decisão justa, para aqueles que recorrem ao Judiciário.
A maioria das pessoas têm uma idéia equivocada de que o juiz teria seu
papel vinculado ao conteúdo do direito codificado. Todavia, essa
vinculação quase servil do juiz, em face da lei, deve ser abrandada,
sobretudo quando se observa que a norma positiva apresenta imperfeições,
ambigüidades e eventualmente conceitos (boa-fé, interesse público,
bem comum, etc.) que demandam uma delimitação de sua abrangência pelo
magistrado, no momento da aplicação do direito.
O nosso sistema brasileiro possibilita a nós magistrados, que não nos
submetamos aos precedentes jurisprudenciais, até mesmo porque isto
impossibilitaria qualquer tipo de construção inovadora no campo do
direito, tornando o juiz um mero reprodutor de julgados anteriores. Então,
não estando preso a jurisprudência, tem o magistrado plena liberdade
de julgar diferentemente da tendência dominante, ou optar por alguma
das linhas existentes, na hipótese de inexistência de corrente hegemônica,
conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal.
Nos dias de hoje, é fundamental que os juízes tenham um satisfatório
conhecimento dos motivos que influenciaram na criação de determinada
norma jurídica, a fim de que possam melhor aplicá-la, acompanhando as
mudanças da sociedade.
Nesse sentido vale mencionar a lição do Prof. Paulo Roberto Soares
Mendonça: “A vinculação do juiz à lei deve ser concebida dentro da
perspectiva de uma sociedade em acelerado processo de mudança e não
sob uma visão inerte, estática”.
Dito isto, aliado com meus pouco mais de dois anos de magistratura,
gostaria de concluir dizendo, que a missão de um magistrado está muito
além daquilo que ele lê em seus processos ou daquelas pessoas que vê
em seu gabinete, sua obrigação profissional e de cidadão detentor de
poderes modificativos, obriga-o a parar e não só olhar para todos os
segmentos da sociedade de um pedestal, e sim caminhar ao lado dela,
satisfazendo seus desejos de mudança, para que assim, possamos
construir um judiciário democratizado satisfazendo os anseios e aspirações
de nossa sociedade, pois este sim, é o papel do juiz da sociedade
moderna.
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