A   moralidade  torpedeada

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eDITORIAL DO jORNAL "o LIBERAL"

Decisões judiciais, como amplamente sabido, são para ser cumpridas.

Mas devem, sob qualquer hipótese, ser apreciadas pelos destinatários de suas conseqüências.

E na apreciação, que é um juízo de valor, assiste a qualquer um o direito de achar certa ou errada qualquer decisão.

Aliás, se decisões judiciais não pudessem ser discutidas, então inexistiriam os recursos, que nada mais são do que a irresignação formalmente manifestada da parte que, de alguma forma, sentiu-se insatisfeita em suas pretensões oferecidas ao juízo.

Pois é neste sentido - o de que decisões da Justiça devem ser cumpridas, mas precisam ser discutidas - que cabe debater entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao decidir que os políticos que são réus em processos criminais, ação de improbidade administrativa ou ação civil pública, sem condenação definitiva, podem se candidatar nas eleições 2008.

O TSE frustrou toda a sociedade. Ainda havia quem esperasse que o Tribunal revisse decisão anterior, no mesmo sentido, e se desapegasse um pouco do que os próprios juízes chamam de letra fria da lei para incorporar a realidade que está à vista de todos - flagrantemente exposta.

A opinião da maioria do TSE - e maioria apertadíssima, de 4 a 3 - é de que é preciso respeitar o preceito constitucional básico, elementar de que ninguém pode ser considerado culpado de nada, se a sentença não tiver transitado em julgado, ou seja, se não houver mais possibilidade da impetração de recurso.

Pronto. Friamente, legalmente, constitucionalmente, formalisticamente, ritualmente é isso que se deve considerar para identificar qualquer pessoa como culpada ou não.

Em contraponto ao formalismo da lei, leia-se por exemplo o que disse o jurista Zeno Veloso, conforme declarações que constam de reportagem que O LIBERAL publicou em sua edição de ontem: 'De que País estarão tratando esses senhores [os ministros do TSE]? Porque, no Brasil, condenação criminal de político, de ladrão de dinheiro público em última instância, condenação de colarinho branco, de malversação de dinheiro público, onde, quando? Cite exemplos.'

Ninguém, certamente, aparecerá com um nome sequer para citar como exemplo, conforme o desafio lançado publicamente pelo professor.

Ninguém, certamente, se apresentará para negar que, após condenação em última instância, nenhum ladrão dos dinheiros públicos apareceu para devolver o que surrupiou.

'Onde, quando' - para usar expressões do jurista - já apareceu, que se tenha conhecimento, um corrupto proclamando, em alto e bom som, que seus eleitores ficarão impedidos de votar nele, por ter sido condenado como ladrão dos cofres públicos?

Dê-se novamente a palavra ao jurista Zeno Veloso: 'Desgraçadamente, estamos no reino da impunidade. O Tribunal Superior Eleitoral manteve uma posição tradicional, de obediência ao direito estrito e escrito. O avanço era mais difícil e complicado. Porque o princípio que se queria criar teria de superar uma norma constitucional.'

Aqui está o grande problema. Era preciso que a construção de um entendimento localizado superasse uma norma constitucional. E o TSE não se viu, por deliberação da maioria de seus membros, em condições de fazer isso. Se o fizesse, fatalmente a questão seria reformada pela corte acima, o Supremo. E depois do Supremo, não existe mais a quem recorrer.

Por que, então, dirão os crédulos, o próprio legislador não supera esse entrave constitucional, votando novas regras que dariam amparo para torpedear no nascedouro a pretensão dos políticos de 'ficha suja' de concorrer a cargos públicos?

O próprio legislador não faz isso porque ele próprio não quer. E por que não quer? Porque amanhã ele poderá ser o próximo.

Melhor para a impunidade. Pior para a moralidade pública.

20.08.2008 

Fonte: Jornal "O Liberal" - edição de 13.06.2008

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