E se estiver numa UTI, sem poder falar? |
Zeno
Veloso
Jurista
Há dez anos (meu Deus,
como o tempo passa rápido!), com membros do Ministério Público e juízes,
participei na Universidade de Miami, Estados Unidos, de um curso de
direito comparado e de aplicação da justiça, naquele país. Um de
nossos professores foi Keith Rosen, renomado jurista norte-americano.
Certa ocasião, o secretário do curso avisou que o intervalo - lá,
chamam coffee break, e aqui a gente imita - seria adiado e teríamos a próxima
aula, imediatamente. Para minha surpresa - e alegria -, ingressou na sala
o Edmundo Oliveira, paraense, que foi meu aluno, professor da UFPa., que
também estava contratado pela Universidade de Miami e fez uma bela exposição
sobre a evolução do Direito Penal, nas Américas. Quando voltei ao
Brasil, em vários momentos contei o fato, que, realmente, é incomum,
curioso. Na maioria das vezes, as pessoas ficavam satisfeitas com o
relato, aproveitando para elogiar o professor Edmundo. Numa das ocasiões, porém,
quando expus o acontecimento, uma figura extremamente vaidosa e que, como
quase todos os presunçosos, muito burra, sem poder esconder o despeito,
alfinetou: 'Mas que maçada, vocês saem de Belém, para estudar na América
do Norte, e acabam tendo uma aula com alguém daqui'. E aí é que reside
o mérito da questão: alguém, daqui mesmo, ser reconhecido no exterior,
dar aulas numa das mais importantes universidades do país mais avançado
do planeta. Tenho de dar graças a Deus por me ter poupado do sentimento
da inveja, que é um dos piores e mais baixos que podem assaltar e
destruir o espírito de um ser humano; ao contrário, fico feliz quando
vejo exemplos como esse, do Edmundo, que contei. Naquela oportunidade,
tomei contato com um instituto do direito norte-americano, chamado living
will, que, em linhas gerais, é um testamento; entretanto, ao contrário
dos testamentos, não é para ter efeito depois da morte, mas, como o nome
indica, para ser cumprido ainda em vida do testador, quando este, todavia,
já não pode expressar a sua vontade, porque está muito doente,
internado numa UTI, inconsciente, ou em situação semelhante, e quer
deixar determinado e bem esclarecido o que deve ser feito e providenciado
(ou o que não deve ser feito) no que se refere a seu tratamento ou
hospitalização. Por exemplo: 'não quero ser entubado'; 'não desejo ter
vida vegetativa'; não pretendo receber transfusões'; 'não quero ingerir
tal medicamento'; 'não permito transplantes' etc. Já falei sobre o
living will, nesta coluna. Muito tempo depois, esse tipo de testamento, até
hoje, não foi previsto em nossa legislação. Semana passada, assisti a
uma exposição, no Hotel Glória, de meu amigo Mario Roberto Carvalho de
Faria, que, além de professor e para citar apenas duas 'coisinhas', é o
atualizador do livro 'Sucessões', de Orlando Gomes, e o advogado do
inventário de ninguém menos que Pontes de Miranda. Ele falou sobre o
problema que tem uma pessoa de, futuramente, na velhice, estar fora de suas
faculdades mentais, ou debilitada, doente, incapacitada de escrever ou de
falar e deixar garantido, desde logo, o que deseja que se faça ou
providencie, quando esse momento chegar, e aventou a possibilidade de essa
pessoa, prevenindo a situação, indicar, logo, um curador e um
administrador dos bens, que, quando necessário, resolva esses assuntos
por ela. Lembrei do 'living will'. E nossa lei também não prevê a nomeação
de um curador e/ou administrador de bens, na forma proposta por Mario
Roberto. Aqui mesmo, há poucos dias, uma senhora me consultou exatamente sobre o seguinte: estava com receio de ficar doente, de ocorrer algo grave, que a impeça de manifestar a sua vontade, dar orientações médicas, hospitalares etc., e perguntou: que instrumento existe para isso, que podia fazer para resolver o impasse? Como não temos o living will, nem a possibilidade de designar um curador, desde já, para tomar as decisões, no futuro, sugeri que a interessada passasse uma procuração para alguém de sua total confiança, dando poderes para prestar declarações, firmar compromissos, dar ordens, contra ordens e praticar todos os atos relacionados a uma eventual enfermidade, perante serviços médicos, enfermeiros, hospitais, repartições e terceiros, como se fosse ela própria, considerando que, por causa de seu estado, não poderá, naquela circunstância, direta ou pessoalmente, exprimir sua vontade. 27.11.2009 |
Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 19.07.2008 |
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