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Cristiano Magalhães Gomes  (Juramentista)
Waltencir Alves Gonçalves  (Orador)  


         JUÍZES EMPOSSADOS    

               

Carlos Magno Gomes de Oliveira
Charles Claudino Fernandes
Cristiano Magalhães Gomes (Juramentista)
Danielle Karen da Silveira Araújo
Danielly Modesto de Lima
Elano Demétrio Ximenes
Emerson Benjamin Pereira de Carvalho
Everaldo Pantoja e Silva
Fábia Mussi de Oliveira Lima
Gabriel Costa Ribeiro
Helena de Oliveira Manfroi
Hélio Pinheiro Pinto
João Ronaldo Corrêa Mártires
Jonas da Conceição Silva
Omar José Miranda Cherpinski
Tarcila Maria Souza de Campos
Thiago Tapajós Gonçalves
Waltencir Alves Gonçalves (Orador)
 

JURAMENTO

 

PROMETO CUMPRIR E FAZER CUMPRIR
 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A DESTE ESTADO
AS LEIS E DECISÕES DOS TRIBUNAIS
HONRAR A CLASSE A QUE PERTENÇO
E EXERCER COM DIGNIDADE
O CARGO DE JUIZ SUBSTITUTO DO ESTADO DO PARÁ

 

              

DISCURSO DE POSSE

     Senhora Presidente, 

 

     O evento hoje celebrado nesta Augusta Casa de Justiça é, sem dúvida, auspicioso. Nesta tarde outonal que já pressagia o período de redução das chuvas tão características de nosso clima marcado pelas torrentes pluviais, assomamos aos umbrais da excelsa magistratura paraense 18 Bacharéis, para o alento da população, o regozijo das instituições e nossa particular satisfação pessoal e plena realização profissional, apenas ombreadas pela gravidade da missão que ora nos é outorgada. 

     Quis o destino – ou o curso dos acontecimentos históricos, para os que naquele não crêem – que nossa assunção se desse em período marcado por grave crise no cenário internacional, que irrompe em irracional beligerância lançando suas funestas conseqüências sobre toda a população do Globo, direta ou indiretamente atingida. Dessa forma, não podemos deixar de nos pronunciar, considerando, ainda, a forma como foi urdido o condenável episódio. Repugna, sem dúvida, à mente do jurista, que a invocação da soberania tenha servido apenas como panegírico para manifestação explícita de tirania imperialista, que não encontra amparo, antes repulsa no orbe do Direito das Gentes, desde a sistematização original do direito da guerra e da paz, elaborada por Hugo Grócio (Ius Belli ac Pacis), até a evolução posterior, que conduziu ao reconhecimento da injuridicidade objetiva da guerra como solução de conflitos internacionais, quaisquer que sejam as razões de seu desencadear, conforme leciona o prof. Fábio Konder Comparato. Também registra o insigne Francisco Rezek, juiz da Corte Internacional de Justiça, que mesmo a alcunhada “guerra justa” somente é tolerada pelo direito internacional contemporâneo nas raras hipóteses de legítima defesa real contra uma agressão armada e de luta pela autodeterminação de um povo contra a dominação colonial, nenhuma dessas circunstâncias apuradas no evento recusado pela opinião pública e pelas organizações internacionais. Todavia, quer se trate de guerras totais, guerras justas ou guerras proscritas, já Santo Agostinho advertia que a natureza humana recolhe sofrimento de todas as guerras, e que o homem sábio as encara com contrição e dor. 

     Afora todo o gênero de mazelas gestadas pela conflagração, um aspecto reclama nossa particular atenção, qual seja, o vilipêndio à ordem jurídica internacional, que tem sua máxima cláusula de vedação ao uso da força consignada no art. 2º, § 4º da Carta de São Francisco, litteris

“Os membros da organização, em suas relações internacionais, abster-se-ão de recorrer à ameaça ou ao uso da força contra a integridade territorial ou à independência política de qualquer Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com o propósito das Nações Unidas.”

     Essa afronta tanto mais se reveste de gravidade na medida em que se observa que tal norma decorreu de lenta evolução do direito internacional, operada desde o término da 1ª Guerra Mundial, a partir da lavratura do Pacto da Sociedade das Nações, em 1919, até a total proscrição do uso da força pela Carta da ONU, em 1945. Assim, o que já era mal escamoteado torna-se evidente: os senhores do poderio econômico apreciam de forma arbitrária a observância das normas comunitárias e, à revelia de qualquer direito, tornam prevalecentes os seus desígnios, mesmo os mais ignóbeis. 

     Ora, se as duas principais funções da ONU são, de um lado, a manutenção da paz e da segurança internacionais, e, de outro, a busca da cooperação de todos os povos em matéria econômica e social, encontram-se, presentemente, frustrados como nunca tais desideratos e infligida crise sem precedente ao já combalido direito comunitário, premido pelo patente desequilíbrio nas relações políticas e econômicas internacionais, marcadas por perniciosa hegemonia. 

     Recrudesce, pois, em escala magna, a desobediência às normas jurídicas, a supressão de direitos individuais e coletivos e o recurso ao uso da força como meio de solucionar divergências, em autêntico exercício arbitrário das próprias razões, na contra-mão de todo o avanço capitaneado pela teoria e almejado pela prática das ciências jurídicas e sociais. Tal é o cenário que se descortina no âmbito internacional. 

     Na cadência dos eventos abomináveis, volvemos nossa atenção para a realidade nacional e aqui divisamos os ignominiosos atentados que ceifaram as vidas dos Juizes Antônio José Machado Dias, da cidade paulista de Presidente Prudente e Alexandre Martins, de Vila Velha, no Espírito Santo. Aos probos magistrados, rendemos todas as sinceras, solenes e devidas homenagens, vítimas que foram de ataques que centraram-se nas suas pessoas, mas, em verdade, atentaram contra toda uma instituição. Isso porque, em todo o evolver da História, reverbera a lição de que nos momentos de mais severo caos, como na ascensão dos regimes ditatoriais ou na presente hipertrofia do poder paralelo ostentado pelos facínoras do crime organizado – que intumescem qual vero câncer social – a existência e as garantias dos juízes, baluartes inexcedíveis assim da manutenção como da imposição da ordem jurídica, passam a ser objeto de contestação, raiando mesmo pela supressão, como nos eventos suscitados. A propósito, no ponto em que a lenda intersecciona com a realidade, há o relato de que Frederico II, rei da Prússia – tido com um dos déspotas esclarecidos – insatisfeito ao verificar que um moinho vizinhava com seu palácio de Sans Souci, pretendeu comprá-lo, mas o moleiro não quis do bem se desfazer. À ameaça de que lho tomaria à força, o moleiro deu-lhe a resposta que o tempo até agora não esvaeceu: “É impossível, Majestade, ainda há juízes em Berlim”. 

     Com efeito, ao caudilho que intenta subverter a ordem jurídica, ao criminoso que a renega como modus vivendi, e a todo aquele que se posta à margem ou contra a lei, pouco ou nada interessa que haja juízes independentes, audazes e votados à causa da Justiça. As trevas onde mourejam contorcem-se, convulsionam-se e seus espasmos não raro findam por atingir aqueles que lhes servem de contraponto, as mentes iluminadas, as vontades pacíficas e as ações positivas.

     A grande massa, no entanto, insciente embora do Direito, clama por justiça, e no painel desenhado pelas crises externa e interna antes descritas é que somos chamados a obrar em nosso sacerdócio, permeado pelas nuances ditadas pelo momento histórico. De que nuances se cuida?? Daquelas que impõem maior responsabilidade e destemor ao magistrado na sua faina contínua. A maior responsabilidade decorre da demonstração explícita da supremacia incondicionada do mais forte sobre o débil, resgatando tendências ancestrais do gênero humano, apenas contidas pelas regras morais, religiosas e jurídicas de conduta, não produzidas – inclusive em seus efeitos – senão mediante lento e custoso processo histórico. Cabe-nos discernir que a natureza do conflito bélico em curso não difere – senão em escala – das multifárias situações conflituosas que capilarizam-se por todo o tecido social, nele produzindo rasgos quando não devidamente considerados e solvidos pelo Poder Estatal. 

     A justiça verberada pelo clamor social, todavia, não é a justiça que se extrai do mero concerto das normas legais, mas aquela permeada pela apreciação axiológica da conduta, num exercício cada vez mais político da função jurisdicional, até em decorrência da mudança na concepção das leis, antes compreendidas como relação necessária extraída da natureza das coisas e hoje passando a ser resposta conjuntural a problemas casuísticos muito localizados. Nesse contexto, bem se compreende a advertência do Prof. Luis Fux, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “uma sentença em que se constrói o ‘jurídico’ antes do ‘justo’ se equipara a uma casa onde se erige o teto antes do solo”. É que se trata de verdade irrespondível que há certos casos em que a aplicação abstrata do Direito redundaria em ato profundamente injusto, revigorando o secular brocardo romano “summum jus, summa injuria”. O Direito, portanto, não se há de apartar da realidade da vida, nem o juiz de se há de convolar em autômato executor de leis injustas, antes abrindo-se ao mundo que fechando-se nos Códigos, para assim intuir a real dimensão do povo, suas aspirações, necessidades e valores. 

     Temos, pois, convicção de que o juiz é um agente do Poder que tem como missão a realização da justiça segundo os parâmetros ditados pela ordem jurídica, que se não esgota nas leis escritas, mas também encontra fundamento na norma ética que se convencionou chamar eqüidade. 

     Quanto ao destemor, alhures encarecido, se somente não defluisse da conspícua posição ocupada pelo magistrado e sua elevada função no seio da sociedade, exemplos não escasseariam a demonstrar ser qualidade sempre reclamada de quem investido do poder de julgar. Cite-se a memorável demonstração legada pelo juiz Márcio Moraes, ao julgar a ação declaratória movida pela viúva de Vladimir Herzog, ao cabo da qual, em plena vigência do regime de exceção, ousou o magistrado afirmar que a morte do jornalista decorrera de assassínio imputado às Forças e não de suicídio, conforme oficialmente decantado. Presentemente, há a conduta exemplar dos juízes Antônio José Machado Dias e Alexandre Martins e sua imolação pelo exercício reto da judicatura a oferecer-nos paradigma de conduta e alento para o labor. Isso para ficar apenas nos exemplos públicos e notórios, sem olvidar, contudo, o embate silencioso diariamente travado nos recessos dos gabinetes dos juízes deste Brasil afora. 

     Platão, em sua Apologia de Sócrates, narra que seu mestre, ao ser indagado acerca da vergonha de se dedicar a uma profissão que lhe custaria a vida, assim redargüira:

 “Equivocas-te, amigo meu, se achas que um homem que valha um pouco há de tomar em conta o perigo da morte e não deve guiar-se unicamente pela preocupação de que seus atos sejam justos e os de um homem de bem”. 

     E a nós, juízes, tanto mais se impõe esta sublime qualidade, vez que, amiúde, contrariaremos interesses, e essa conseqüência é a que naturalmente se extrai da solução do litígio, concebido, em última análise, como a contraposição de vontades submetidas a julgamento. Temos, contudo, o arrimo da prática dos que nos precederam e as luzes dos intelectos privilegiados a nortear nossa conduta, tendo o insigne Rui, em sua imortal Oração aos Moços, dedicado as seguintes linhas à virtude de que se cuida: 

A ninguém importa, mais do que à magistratura, fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer cobardia. Todo o bom magistrado tem muito de heróico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema, senão da outra justiça, assente, cá embaixo, na consciência das nações, e culminante, lá em cima, no juízo divino”. 

     Eia, pois que se revigora nossa responsabilidade por fazer medrar o principio cardeal de que a observância à ordem jurídica é pressuposto para o aperfeiçoamento do gênero humano, ao tempo em que se nos impõe, de forma ainda mais contundente, a atuação intrépida que contenha as torrentes de ameaça e desobediência que não encontram barreira na pusilanimidade, mas na postura firme e incensurável do julgador. 

     Isso tudo não obstante, cremos que é chegada a hora de o aparato estatal oferecer-nos condições que permitam a continuidade do exercício independente de nossas funções, a fim de que não tenhamos preocupação diversa da realização da Justiça. Que aqueles que levantam as vozes para pleitear a reforma do Judiciário ou alterações pontuais tendo em vista unicamente eventuais aspectos negativos façam coro conosco na defesa intransigente de um Judiciário livre, independente e seguro, visando a preservar o regime democrático e o Estado de Direito. Não podemos continuar sendo ceifados como frágeis culturas expostas ao vento. 

     Avizinhemo-nos agora da realidade do Estado do Pará, onde somos chamados a exercer a honrosa missão de julgar. 

     O povo destas paragens não é mais nem menos carente de justiça do que os das demais unidades da Federação. Todavia, as portentosas dimensões do Estado, superior em área a muitos países, como Uruguai e Paraguai, na América do Sul, e Holanda e Suíça, na Europa, aliadas à enormidade das distâncias entre as sedes dos municípios e ao precário e difícil acesso às plagas paraenses conferem-lhe a conotação que estrema as carências e as necessidades da população nortista daquelas em geral ostentadas nas demais regiões nacionais. 

     É exato, assim, que, sobretudo na 1ª entrância, o caboclo amazônida aferra-se, ainda, a assegurar o exercício de seus direitos civis e políticos, contidos na idealizada primeira geração de direitos, buscando evadir-se da marginalidade social, em geral mediante pleitos de extrema singeleza, mas de singular e transcendental significação para o jurisdicionado. Mas o ambiente singelo ainda nos reclama a atuação magnânima, eis que a exata dimensão da relevância de nosso labor não será parametrizada pela complexidade das causas que julgarmos, porém, deflui da elevada função que ocupamos e da forma como a exercemos, não acreditando despiciendas mesmo as menores expectativas dos cidadãos. Assim também nos moldamos em espírito e legitimamos em conduta para o julgamento das grandes questões, não descurando da fé em nós creditada e da dignidade que será nosso gládio, assim nas máximas como nas mínimas contendas, atentos à exortação do Pe. Antônio Vieira, que disse:

 “Não pode fazer nem empreender grandes obras quem se conhece ou se estima pequeno: se isto parece humildade, é bastarda; se aquilo parece soberba, é santa. Não é soberba estimar-se para não fazer baixezas, descuidar-se do pó para se lembrar de si, e conhecer-se alma para obrar como anjo”.

     No âmbito do desempenho funcional, pautaremos nossas relações com os poderes constituídos pela busca da harmonia ditada pela norma constitucional – a que acabamos de jurar obediência – e pela lição magistral de Montesquieu, tendo por exato que no relacionamento entre os Poderes do Estado tem total pertinência a alegoria dos vasos comunicantes, a demonstrar que nenhum tem ascendência sobre o outro e que a diminuição de nível de um a todos avilta, ao reverso da elevação de qualquer deles, que a todos enobrece. Assim também em relação à honrosa instituição ministerial, à digna classe política, à desvelada advocacia pública e à indispensável advocacia privada. Na diversidade de nossas atuações, o fim último que nos reconcilia e unifica, qual seja, o de proporcionar bem estar aos cidadãos, na sua acepção mais genérica, razão única da existência do Estado-Nação. 

     Ao finalizar, reconforta-nos saber que o ideário apenas sucintamente retratado nas linhas anteriores era já há muito prenunciado pelos cultos, e por sintetizar de maneira notável e singular tudo quanto já exposto, da lírica e imortal obra de Cervantes colhemos as lições plasmadas nos conselhos do fidalgo D. Quixote ao seu leal escudeiro: 

“Achem em ti mais compaixão, Sancho fiel, as lágrimas do pobre, porém não mais justiça que as alegações do rico. Procura descobrir a verdade entre os soluços e as importunações do primeiro, como entre as dádivas e promessas do segundo.

Onde houver lugar para a eqüidade, não carregues a mão no rigor da lei. Se houveres de dobrar a vara da justiça, que seja com o peso da misericórdia, e não com o dos favores.

Quando tiveres de julgar o pleito de um inimigo, aparta de ti a lembrança da injúria recebida e pensa apenas na verdade da causa.

Não te cegue a paixão em causa alheia, porque os erros que daí nascerem, as mais das vezes, serão sem remédio.

Se uma linda mulher vier pedir-te justiça, afasta os teus olhos das suas lágrimas, afasta os teus ouvidos dos seus lamentos, se não quiseres que a tua razão se afogue no seu pranto, e a tua virtude nos seus suspiros.

Se a alguém tiveres de castigar com atos, não o maltrates com palavras, pois já basta ao desditoso a pena do suplício, sem o suplemento das ofensas.

Considera o culpado que cair debaixo da tua jurisdição, como criatura miserável, sujeita às condições de nossa triste natureza; e em quanto te couber por tua parte, e sem fazer agravo à parte contrária, mostra-te piedoso e clemente, porque, malgrado sejam iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece, a meu ver, o da misericórdia que o da justiça.”

 

     Toda nossa gratidão aos familiares, amigos e demais entes queridos, que nos apoiaram e impulsionaram durante a etapa de nossa jornada que tem este momento como ponto culminante. Em especial, nosso reconhecimento à Exma. Sra. Presidente do TJE, Desa. Maria de Nazareth Brabo de Souza, que tornou possível a realização deste evento em espaço de tempo ainda mais curto do que nós mesmos esperávamos. Atitudes dinâmicas e firmes como as de V. Exa., que resultam na salutar redução da proporção jurisdicionado-juiz, é que contribuem para a agilização e efetividade da prestação jurisdicional. Sentimo-nos honrados em ter uma líder do seu quilate frente ao Poder que passamos a integrar. 

     Com tais considerações, invocando a proteção do Divino, assumimos perante vós, autoridades e população, o compromisso de votar à causa da Justiça todo o nosso intelecto e labor, honrando e dignificando a instituição como um todo e este egrégio Tribunal em particular, para o gaúdio de todos aqueles que, sequiosos, aguardam o volver da face de Têmis nos mais longínquos rincões deste belo, rico e promissor Estado do Pará. 

Rumo ao bom combate! 

Muito obrigado.

Orador - MM. Juiz de Direito Waltencir Alves Gonçalves  

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