O tiro saiu pela culatra 

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Villas-Bôas Corrêa
Jornalista 

Veja: Nepotismo

     É absolutamente improvável que a turma do baixo clero e da gandaia do nepotismo consiga derrubar em plenário as propostas de quatro emendas constitucionais, aprovadas por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que extirpa, arrancando pelas raízes, a praga da nomeação para cargos de confiança ou comissionados, de maridos, esposas, pais, mães, sogros, sogras, irmãos, manas, primos e primas dos donos do poder no Executivo, Judiciário e, claro, no Legislativo, em varredura completa, que atira na rua os atuais agraciados e fecha as tranqueiras.

     O texto das emendas é exemplar e tão surpreendente quanto a aprovação pela unanimidade marota na CCJ. De logo, reconheça-se que deve ter doído como beliscão na carne e ferroada de pesadelo, o voto a favor da proibição de nomear parentes até o segundo grau nos três poderes e nas três esferas da administração pública: União, estados e municípios.

     É como a mutilação de uma perna ou de um braço, a amputação de uma das mãos, viciada em século de generosidade familiar com o dinheiro da Viúva. Não a renúncia ao presente nas datas festivas, que o uso consome ou desgasta. Mas o dote do emprego, geralmente para sinecuras para toda a vida. O guarda-chuva que protege contra os chuviscos do azar e as tempestades do caiporismo. Entregue de mão beijada, sem nenhum esforço ou exigência, desde a dispensa dos concursos que a todos iguala no cacoete democrático que nunca embaraçou os que mandam.

     A ruidosa sessão da CCJ propiciou didáticos ensinamentos sobre o oportunismo dos que defenderam a prática centenária de garantir o pão e o caviar da parentela e, diante da evidência de que a causa estava perdida, viraram o paletó pelo avesso, fugindo da reação do eleitor na geléia da unanimidade.

     Antes que se perca a memória do momento histórico, convém reforçar o registro de algumas manifestações modelares. Com a peculiar finura da sua linguagem parlamentar, o deputado Jair Bolsonaro (PFL-RJ) lavrou o seu protesto indignado: “Só defende o fim do nepotismo quem tem mulher jumenta.Vão proibir também a contratação de amantes?”

     Direta e ferina, a deputada Zulaiê Cobra (PSDB) expôs as incoerências do PT com o aparte maldoso: “Nunca vi tanta mulher de ministro trabalhando na Esplanada como neste governo”.

     Na corda bamba, o PT defendeu-se com a tática habitual de acusar o governo de FHC das mesmas práticas em doses maiores.

     O esperneio e a decisão ajudam a interpretar o auspicioso episódio. De logo, alerta a opinião pública e a imprensa, especialmente os repórteres que fazem a cobertura do Congresso, para a necessidade de sustentar a vigilância e não afrouxar a pressão.

     Até a aprovação das emendas constitucionais que acabam com a vergonha do nepotismo, um longo e sinuoso caminho será percorrido. Com as pausas táticas, os intervalos de silêncio para esfriar os ânimos e facilitar os remendos que abram frestas por onde se infiltrem os sabidos.

     No próximo degrau, Comissão Especial da Câmara, a ser instalada, debaterá as emendas e as modificações que forem propostas. Apenas o começo da tramitação, antes do encaminhamento ao plenário para nova rodada de discussão, emendas e votação. Se aprovada, segue para o Senado, um nicho aquecido de parentes de eleitos para mandatos de oito anos.

     Sejamos justos e gratos: a cambalhota parlamentar, como número extra e improvisado no espetáculo rotineiro, deve-se em grande parte à eleição do deputado Severino Cavalcanti a presidente da Câmara. E, claro, ao seu desempenho de deslumbrado com o salto na biografia de prefeito de João Alfredo (PE), em 1964-66; deputado estadual pela Arena em sete mandatos consecutivos, de 1967 a 1995; deputado federal desde 1995, no exercício do terceiro mandato, que driblou o anonimato na incansável luta para aumentar os subsídios, as mordomias e vantagens dos deputados, que o qualificou como guru do baixo clero.

    Eleito presidente no estouro do plenário que castigou o governo com a sua mais contundente derrota, perdeu o controle da língua, desafiou céus e terra, prometeu este mundo e o outro. A opinião pública acordou da soneca da indiferença. Choveram protestos, cobranças, manifestações. O medo de perder um dos melhores empregos do mundo operou o milagre da unanimidade da aprovação das emendas moralizadores, no primeiro passo de uma longa marcha.

    Quem muito quer, perde o juízo.

    O tiro saiu pela culatra.

26.06..2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" - Edição de 15.04.2005

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