Retrato da vida - pensão viúva ou companheira |
Zeno Veloso
Jurista
CABEÇA DE PRATA - SEPARADA OU VIÚVA?
Mas o problema não era exatamente este: é que, como viúva, ela entendia
que teria direito a uma pensão deixada pelo falecido, e que estava sendo
recebida apenas por um filho, que ele tinha de uma aventura extraconjugal.
Tive de explicar-lhe que, embora seu estado civil seja, realmente, de viúva,
não vai ter direito, neste caso, à pensão do marido, pois, na época em
que ele faleceu, a sociedade conjugal estava dissolvida, por força da
separação que havia ocorrido antes. E o falecido, em vida, não lhe
pagava pensão alimentícia.
Ela agradeceu, levantou-se, mas, antes de sair, fez um comentário
tristonho: 'o filho dele nem se deu ao trabalho de aparecer no velório do
pai'. Elogiei-a pelo gesto de ir ao enterro do ex-marido, superando mágoas,
má-lembranças. Explicou, então, que, na verdade, não 'foi' ao enterro,
mas providenciou o funeral, pois o ex-marido faleceu em sua companhia.
Quando resolveram se separar, nem ele tinha condições de sair da casa
alugada em que viviam, muito menos ela, que nem emprego tinha, vivia de
pequenas costuras. Como a separação tinha sido bastante amigável,
resolveram ficar morando na mesma casa.
Um dia, fez um friozinho maior e o mesmo cobertor acabou sendo utilizado
para cobrir os corpos de ambos, e assim ficaram, meio grudadinhos, aquela
vontade que há tempos já não aparecia voltou, e a paixão foi saciada
numa longa noite de amor, sem excessos, é claro. Um amigo meu, não sei a
razão, chama a casos como esse de 'a volta do besouro verde'.
Ela explicou, finalmente, que se tornou amante do ex-marido, e não
quiseram restabelecer formalmente o casamento, até porque não sabiam
exatamente como fazer isso. E o tempo foi passando, aplainando arestas,
arrumando as coisas, ajeitando a vida. Dito isso, estendeu-me a mão e se
despediu. Mas tive de interrompê-la, pedi que se sentasse, novamente,
expliquei que a história tinha mudado de rumo, a situação era outra, a
conclusão tinha de ser diferente quanto à pensão. Ela ficou toda
animada, e ouviu.
Realmente, como viúva, não tinha direito ao benefício, pois se tratava
de pessoa que era separada judicialmente na época em que o marido morreu.
Em seguida, porém, convivendo na mesma casa, passaram a ter um
relacionamento afetivo em outras bases. A convivência foi pública, à
vista dos parentes, dos amigos, dos vizinhos, contínua, sem sobressaltos,
interrupções, e duradoura prolongando-se por dois anos, e o aspecto
subjetivo, fundamental: havia o intuito de manter uma entidade familiar,
uma família. Os requisitos do art. 1.723 do Código Civil estavam
atendidos. O nome que se dá a isso, falei-lhe, é união estável, que a Constituição e o Código Civil protegem e reconhecem como meio de formação de família, tão importante e digno quanto o casamento. E dei o parecer final: apresente-se não como viúva, mas na qualidade de companheira sobrevivente do falecido e requeira sua pensão, que vai ser dividida, em justiça salomônica, com o filho dele. 21.09.2008 |
Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 20.09.2008 |
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