Retrato  da  vida - pensão viúva ou companheira

www.soleis.adv.br 

Zeno Veloso
Jurista

SEPARADA OU VIÚVA?

CABEÇA   DE   PRATA - SEPARADA OU VIÚVA?

 
       Recebi a senhora de mais de 60 anos, mas parecia menos, para dar-lhe a consulta que me pediu. Ela disse que descobrira que seu estado civil era de viúva por causa de um artigo em que abordei o tema, denominado 'Cabeça de Prata'. Relembrando: se a mulher está separada judicialmente, e o marido falece, ela passa de separada para viúva, pois ainda estava íntegro o vínculo matrimonial e apenas a sociedade conjugal tinha terminado; porém, se a mulher é divorciada, e o ex-marido morre, continua divorciada, não passa ao estado civil de viúva, o falecimento do ex-cônjuge não muda nada, pois o casamento já estava dissolvido, o vínculo conjugal estava extinto.

     Mas o problema não era exatamente este: é que, como viúva, ela entendia que teria direito a uma pensão deixada pelo falecido, e que estava sendo recebida apenas por um filho, que ele tinha de uma aventura extraconjugal.

    Tive de explicar-lhe que, embora seu estado civil seja, realmente, de viúva, não vai ter direito, neste caso, à pensão do marido, pois, na época em que ele faleceu, a sociedade conjugal estava dissolvida, por força da separação que havia ocorrido antes. E o falecido, em vida, não lhe pagava pensão alimentícia.

    Ela agradeceu, levantou-se, mas, antes de sair, fez um comentário tristonho: 'o filho dele nem se deu ao trabalho de aparecer no velório do pai'. Elogiei-a pelo gesto de ir ao enterro do ex-marido, superando mágoas, má-lembranças. Explicou, então, que, na verdade, não 'foi' ao enterro, mas providenciou o funeral, pois o ex-marido faleceu em sua companhia. Quando resolveram se separar, nem ele tinha condições de sair da casa alugada em que viviam, muito menos ela, que nem emprego tinha, vivia de pequenas costuras. Como a separação tinha sido bastante amigável, resolveram ficar morando na mesma casa.

    Um dia, fez um friozinho maior e o mesmo cobertor acabou sendo utilizado para cobrir os corpos de ambos, e assim ficaram, meio grudadinhos, aquela vontade que há tempos já não aparecia voltou, e a paixão foi saciada numa longa noite de amor, sem excessos, é claro. Um amigo meu, não sei a razão, chama a casos como esse de 'a volta do besouro verde'.

    Ela explicou, finalmente, que se tornou amante do ex-marido, e não quiseram restabelecer formalmente o casamento, até porque não sabiam exatamente como fazer isso. E o tempo foi passando, aplainando arestas, arrumando as coisas, ajeitando a vida. Dito isso, estendeu-me a mão e se despediu. Mas tive de interrompê-la, pedi que se sentasse, novamente, expliquei que a história tinha mudado de rumo, a situação era outra, a conclusão tinha de ser diferente quanto à pensão. Ela ficou toda animada, e ouviu.

     Realmente, como viúva, não tinha direito ao benefício, pois se tratava de pessoa que era separada judicialmente na época em que o marido morreu. Em seguida, porém, convivendo na mesma casa, passaram a ter um relacionamento afetivo em outras bases. A convivência foi pública, à vista dos parentes, dos amigos, dos vizinhos, contínua, sem sobressaltos, interrupções, e duradoura prolongando-se por dois anos, e o aspecto subjetivo, fundamental: havia o intuito de manter uma entidade familiar, uma família. Os requisitos do art. 1.723 do Código Civil estavam atendidos.

    O nome que se dá a isso, falei-lhe, é união estável, que a Constituição e o Código Civil protegem e reconhecem como meio de formação de família, tão importante e digno quanto o casamento. E dei o parecer final: apresente-se não como viúva, mas na qualidade de companheira sobrevivente do falecido e requeira sua pensão, que vai ser dividida, em justiça salomônica, com o filho dele.                       

21.09.2008 

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 20.09.2008

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site