QUEREM   ENGANAR   A   NAZARÉ

www.soleis.adv.br 

Zeno Veloso
Jurista

   No artigo da semana passada, falei da Lei n° 11.441, de 2007, que introduziu inovação no Direito brasileiro, permitindo que os divórcios e inventários pudessem ser feitos por escritura pública, desde que haja acordo entre os interessados.

Eis que fui chamado para dar uma opinião no caso seguinte: está sendo feita uma escritura pública de inventário e partilha, em Florianópolis, e uma das herdeiras, Nazaré, remeteu a minuta da escritura que ela recebeu para a Dra. Taísa Fernandes, que é amiga dela, aqui, e especialista na matéria. 

Taísa leu a minuta e chegou à conclusão de que há um grave erro jurídico, prejudicando muito a referida Nazaré, e pediu meu parecer.

O inventário é de um senhor, viúvo, que tinha dois filhos de seu casamento, e Nazaré, filha do outro relacionamento, que ocorreu em Belém, quando aqui ele passou dois anos trabalhando em um banco. 

Na partilha, a divisão foi feita da seguinte maneira: cada filho ficou com um imóvel, no valor de R$ 250 mil e a filha Nazaré não ficou com nenhuma parte nesses dois imóveis deixados pelo genitor comum, considerando que ela tem direito a receber R$ 300 mil de um seguro de vida que seu pai fez indicando-a como única beneficiária.

Nazaré estaria, inclusive, recebendo mais do que cada um dos irmãos, mas estes, bondosamente, abriam mão de cobrar alguma coisa da “maninha”, para igualar as quotas.

Esse projeto de partilha está erradíssimo.

Ou os dois irmãos de Nazaré estão muito mal orientados, por alguém ignorante na matéria, ou estão agindo de má-fé, tentando ludibriar a irmã, induzi-la a erro, tomar o que ela tem direito na herança do falecido pai. Vou explicar direitinho.

O seguro de vida é espécie de seguro pessoal. Trata-se de negócio jurídico, um contrato, por meio do qual o segurado, mediante um prêmio que paga à companhia de seguro, indica um beneficiário que receberá a importância estipulada (capital), no caso de falecimento do segurado. 

A matéria vem regulada nos artigos 789 a 802 do Código Civil, e o art. 794 é uma norma importantíssima sobre o instituto, estabelecendo que o capital estipulado num seguro de vida “não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança, para todos os efeitos de direito”. 

Quem quiser se aprofundar no tema, sugiro que leia as lições do desembargador Jones Figueirêdo Alves - Código Civil Comentado, 9ª ed., 2013, Saraiva: São Paulo, página 671.

Concordo plenamente com a conclusão de Taísa, que vai transmitir para Florianópolis. Nazaré tem direito a receber os R$ 300 mil correspondentes ao seguro de vida estipulado por seu pai com a companhia seguradora, e essa importância não tem nada a ver e nem se vincula ou comunica a seu direito hereditário, que continua íntegro. 

Vale dizer, ela tem direito a receber a importância do seguro e não deixa, por isso, de ter direito de exigir a parte que lhe cabe na herança do pai. 

Os dois imóveis devem ser divididos, igualmente, entre os três filhos.

P.S.1 Eu era deputado estadual, no começo da vida pública, e fui visitar Gurupá, onde havia recebido votos.

Fui recebido pelos correligionários, que me pediram que atendesse a dois senhores. Eram pequenos empresários, do ramo de diversões, tinham alugado um salão e haviam vendido mesas para uma festa que iria ocorrer na noite seguinte, de sábado, com uma atração espetacular e jamais vista na cidade: “strip tease”, sendo a protagonista uma artista importada do Ceará. Mas surgira um problema. O delegado de polícia, por interferência de algumas senhoras, em nome da ordem e dos bons costumes, tinha proibido a “indecente” exibição, em nome da dignidade das famílias gurupaenses. Sugeriram, então, que me dirigisse à promotora, recém empossada, para pedir à mesma que revogasse a ordem “absurda” do policial. 

Eu tinha o costume de, ao visitar os municípios, cumprimentar as autoridades constituídas, especialmente as ligadas à Justiça, e muitas delas eram ex-alunas. Encontrei a jovem promotora de Gurupá, que me recebeu com muito carinho e falou-me entusiasmada e idealista de seus planos no exercício das funções do Ministério Público. A conversa fluiu, normalmente, sem que eu, afinal, tratasse do assunto do strip tease. Mas, confesso, não tive coragem.

Despedi-me da promotora sem levar a ela o extravagante pedido para que interferisse, assim, informalmente, sem mais nem menos, na decisão da outra autoridade, da Polícia Civil. 

Acompanhei toda a brilhante trajetória dessa promotora, Symone Morhy de Siqueira Mendes Lauria, e lamento muito sua falta.

                       

24.02.2015 

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 07.02.2015

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site