Raimunda virou Isabela

www.soleis.adv.br 

ZENO VELOSO

jURISTA

        O nome civil é que designa, identifica a pessoa na sociedade. Na Antigüidade, adotava-se um nome simples, formado por uma só palavra: Platão, Demóstenes, Aristóteles. Entre os hebreus, em seguida ao nome, vinha a indicação da filiação: Elias, filho de Isaac. Atualmente, o nome é complexo, integrado pelo prenome e sobrenome, este último indicativo da família de que procede o indivíduo, e que se transmite a toda a descendência (filhos, netos, etc.).

O prenome pode ser simples, como Andréa, Augusto, ou composto, como João Paulo, Maria José. Do mesmo modo, o sobrenome pode ser simples, como Pereira, ou composto, como Pereira da Silva, com o aproveitamento do sobrenome de família paterno, materno, ou de ambos. No meu caso, por exemplo, sou Bastos, o sobrenome de Lygia, minha mãe, e Veloso, o de Zeno, meu pai.

O novo Código Civil brasileiro, no Capítulo dos Direitos da Personalidade, artigos 16 a 19, edita normas sobre o assunto, preenchendo uma lacuna que existia no Código anterior. Dispõe que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome. Prevê que o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. Estatui que sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Finalmente, menciona que o pseudônimo (Pelé, Xuxa, Dudu, por exemplo), adotado para atividades lícitas, goza da proteção que se dá ao nome.

Em Portugal, o artigo 74 do Código Civil confere, igualmente, proteção jurídica ao pseudônimo, e o mesmo ocorre na Itália. Entretanto, a Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), já dedicava vários preceitos sobre o nome civil, a partir do artigo 54. Afirma que o assento de nascimento deverá conter o nome e o prenome, que forem postos à criança, bem como os nomes e prenomes dos pais e dos avós paternos e maternos.

No artigo 55, parágrafo único, a aludida lei estabelece que os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores e, quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independentemente de cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente. Washington de Barros
Monteiro enuncia que o prenome pode ser escolhido livremente pelos interessados, advertindo que essa escolha, todavia, não é arbitrária e indiscriminada, ponderando o saudoso mestre das Arcadas: “não seria realmente admissível a adoção de prenome que expusesse o portador à irrisão, como aquele divulgado por um recenseamento em nosso país: Himeneu Casamentício das Dores Conjugais, ou as irmãs Fotocópia e Xerocópia”.

Na redação original do artigo 58, a Lei dos Registros Públicos dizia, peremptoriamente: “O prenome será imutável”. Mas o parágrafo único deste artigo admitia a retificação do prenome quando fosse evidente o erro gráfico e até a sua mudança, a requerimento do interessado e mediante sentença do juiz no caso de expor ao ridículo o portador e o oficial do registro civil não o tiver impugnado na época da lavratura do assento do nascimento.

Por força da Lei n° 9.708, de 18 de novembro de 1998, o artigo 58, “caput”, da Lei dos Registros Públicos ficou com a seguinte redação: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”.

Uma questão interessante acaba de ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ. 

A faxineira Maria Raimunda Ferreira Ribeiro, de 36 anos de idade, nasceu no Maranhão, mas vive há bastante tempo em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. E já não gostava de seu nome no Maranhão, muito menos no Rio de Janeiro, onde os conhecidos e  vizinhos se mostraram cruéis, fazendo troças e versinhos, como aquele que diz: “Raimunda, feia de cara, bonita de ...” A mulher, então, adotou o nome Maria Isabela, e assim se apresentava.

Ingressou em juízo requerendo a mudança de seu prenome, de Maria Raimunda para Maria Isabela. O juiz, porém, negou o pedido, alegando que o nome Raimunda era perfeitamente normal e comum, incapaz de provocar situações ridículas, humilhantes ou constrangedoras, sendo que esta decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A maranhense, então, recorreu para o STJ, e a ministra Nancy Andrighi, relatora, acatou as razões da recorrente, discordou das decisões das instâncias anteriores, argumentando que não se tratava de mero capricho da faxineira, mas de “necessidade psicológica profunda”, e, ademais, ela já era conhecida em seu meio social como Maria Isabela. Os demais ministros da 3ª Turma do STJ seguiram o voto da relatora, e foi autorizada a mudança do nome. Raimunda, afinal, ganhou a batalha, ficou tranqüila, feliz, e seu nome, agora, é Maria Isabela. Isto, porém, no meio social, no trabalho, diante dos amigos, dos conhecidos. Porque em casa, a família não consegue chamá-la pelo novo nome, e Raimunda, no lar, continua a Raimunda de sempre.

27.09.2005 

Fonte: Jornal "O Liberal" edição de 19.02.2005

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site