Separações de bens e herança

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Zeno Veloso
Jurista

  

Jovem senhora me fez uma consulta, contando o seguinte: explicou que é de uma família muito rica e se apaixonou por um rapaz estudioso, futuroso, mas muito pobre. Quando avisou a seus pais que iria ficar noiva, eles pediram uma reunião com o namorado e, de forma clara e explícita, afirmaram que o casamento só poderia ser feito pelo regime da absoluta separação de bens. Apesar do constrangimento que tomou conta do ambiente, tudo ficou acertado. Antes do casamento, os noivos compareceram a um cartório de notas e celebraram o aludido pacto antenupcial de absoluta separação de bens.

O casal teve três filhos e a consulente herdou uma grande fortuna de seus pais, que faleceram há alguns anos. O marido, porém, jamais trabalhou, abandonou os estudos e sempre viveu à custa do dinheiro da esposa. Para completar, envolveu-se no jogo e com mulheres e está levando uma vida bastante irregular.

Eis que minha consulente é acometida de uma doença grave, da qual está guardando segredo, e procurou um amigo para que lhe dissesse o que aconteceria com seu patrimônio, quando falecesse. Este amigo garantiu que ela tem três filhos, portanto, três herdeiros necessários, que ficariam com todos os bens e nada caberia ao marido (já viúvo), até por causa do regime de bens do casamento - separação total.

Acontece que, num artigo anterior, falei aqui sobre a sucessão entre cônjuges, e a senhora me procurou para saber qual era a minha opinião. Disse-lhe, e prometi escrever sobre o tema, o que ora faço.

O grande personagem do direito sucessório no novo Código Civil é o cônjuge sobrevivente. Ele passou a ser herdeiro necessário, e ocupa a terceira classe dos sucessíveis, na ordem da vocação hereditária, depois dos descendentes e dos ascendentes. E tem, ainda, o direito real de habitação sobre o imóvel residencial da família, se este for o único bem dessa natureza a inventariar.

Mas, estando na terceira classe dos sucessíveis, isto não quer dizer que o cônjuge sobrevivente só vai ser chamado à sucessão se não houver descendentes nem ascendentes. O cônjuge sobrevivente - viúva ou viúvo - está, realmente, em terceiro lugar na ordem de convocação, mas já concorre com os descendentes e com os ascendentes, quer dizer, ele ocupa a terceira classe, mas concorre com os herdeiros da primeira classe (descendentes) e da segunda classe (ascendentes).

Com os herdeiros da primeira classe - descendentes -, o cônjuge sobrevivente não concorrerá, entretanto, se o regime de bens do casamento tiver sido o da comunhão universal ou o da separação obrigatória. Se o regime foi o da comunhão parcial, em regra, não concorrerá, mas adquire o direito de concorrer se o falecido deixou bens particulares. E no regime da separação convencional, ou seja, que decorre de um pacto antenupcial celebrado pelos nubentes (antes do casamento, portanto), o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido.

Assim, e na forma do artigo 1.829, I, do novo Código Civil, o viúvo, que foi casado com a falecida no regime da separação convencional de bens, participa da herança que esta deixou, concorrendo com os filhos da mesma. E qual a quota do viúvo nesta sucessão? Diz o artigo 1.832 do novo Código Civil: em concorrência com os descendentes (artigo 1.829, I), caberá ao cônjuge sobrevivente quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça. Isto é: o viúvo vai receber uma quota igual à que couber ao filho do falecido, como se fosse mais um filho. Mas não é só: a quota do viúvo não pode ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Neste caso, se o falecido deixou quatro filhos, ou mais, a quota do viúvo vai ser maior do que a atribuída a cada filho.

No caso da senhora que me consultou, aconselhei-a a fazer um testamento, destinando toda a sua metade disponível aos três filhos. Assim, eles ficam mais beneficiados, e o cônjuge sobrevivente vai receber bem menos do que iria receber se não houvesse testamento.

 

04.10.2004 

Fonte Jornal "O Liberal" - Pará -  20.09.2003

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