O Código Civil brasileiro anterior, de 1916, em sua redação
original, dizia, no artigo 240: “A mulher assume, pelo casamento, com os
apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar
nos encargos de família”. Por “apelidos” do marido, entenda-se o
patronímico, os nomes de família, o sobrenome do marido, que pode ser
simples (Pereira) ou composto (Machado Pereira).
Nesse tempo, a adoção dos apelidos do marido era uma obrigação da
mulher. Com o casamento, seu nome era alterado, inexoravelmente. Isto
significa uma afirmação do poder marital, da supremacia do varão, que
vem do direito romano, em que a mulher ingressava, “loco filiae” (como
se fosse filha), na família do esposo. O sobrenome do marido, que a
esposa passava a usar, funcionava como um carimbo, uma tatuagem indelével,
a mostrar que ela tinha um dono e senhor, conforme as concepções
machistas do passado. Clóvis Beviláqua, que foi o autor do projeto que
redundou no Código Civil de 1916, procura contemporizar, explicando que o
fato de a mulher adquirir o nome do marido não importa em ficar a sua
personalidade absorvida. Antes de tudo, aponta, esta adoção de nome é
um costume, a que a lei deu guarida, e deve ser compreendido como
exprimindo a comunhão de vida, a transfusão das almas dos dois cônjuges.
Não entendo a razão de essa “comunhão de vida” e “transfusão das
almas” ter necessidade de ser anunciada pela utilização do nome de família
do marido da mulher.
A Lei do Divórcio (lei nº 6.515, de 1977), de autoria do saudoso Nélson
Carneiro, que devia receber mais homenagens como o verdadeiro “pai” do
direito de família brasileiro, modificou o referido artigo 240 do Código
Civil de 1916, estatuindo que a mulher “podia acrescentar, aos seus, os
apelidos do marido”. O que, outrora, era um dever, passou a ser uma
faculdade. A mulher, se quisesse, ficava com o nome de solteira. Note-se
que esse artigo 240 falava em “acrescentar” os apelidos, e a lei
vigente, como veremos a seguir, menciona “acrescer” o sobrenome, e não
se deve supor que alguma coisa mudou por causa disso, pois os vocábulos
significam a mesma e única coisa.
O novo Código Civil (de 2002, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de
2003), numa redação conforme o preceito constitucional da igualdade,
dispõe, no artigo 1.565, parágrafo 1º, que qualquer dos nubentes,
querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. É livre a
qualquer dos cônjuges (seja o marido, seja a mulher) adotar o sobrenome
do outro ou conservar o nome de solteiro. Trata-se de uma importante inovação.
Tem-se afirmado que, por força do novo Código Civil, e por causa do vocábulo
“acrescer”, constante no aludido artigo 1.565, parágrafo 1º, para a
composição do nome do cônjuge que vai adotar o patronímico do outro,
é necessário que seja mantido todo o nome original, ao qual será
agregado o sobrenome do outro cônjuge. Assim, por exemplo, a mulher que
se chama Maria de Fátima Pinheiro dos Santos, que se casar com João
Azevedo de Morais, se usar da faculdade conferida no artigo 1.565, parágrafo
1º, do Código Civil, passará a chamar-se Maria de Fátima Pinheiro dos
Santos Azevedo de Morais.
Acho que essa leitura literal é perniciosa e que não deve ser tão
radical a interpretação do artigo 1.565, parágrafo 1º. A lei é feita
para facilitar, simplificar, e não para atormentar ou complicar a vida
das pessoas. Devemos presumir que o legislador é sábio, prudente, dotado
de bom senso. E exigir que uma pessoa que vai casar permaneça com todo o
seu sobrenome e adote o sobrenome do outro cônjuge pode causar sérios
transtornos, dificuldades enormes.
Antônio Chaves, no Tratado de Direito Civil, tomo 1, página 323, cita o
acórdão unânime da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São
Paulo, em data de 13 de janeiro de 1984, que reconhece que a mulher já não
é mais obrigada a adotar o patronímico do marido, poderá fazê-lo ou não.
Mas, se lhe convém, poderá acrescer aos seus os apelidos do marido.
Entretanto, “não precisará adotar, por acréscimo, todos os apelidos
do esposo. Poderá acrescer apenas um, ou mais. Mesmo porque, se pode o
mais, isto é, deixar de acrescer, poderá ter direito ao menos, acrescer
apenas um apelido”. Às vezes, afirma o acórdão, e adoção de todos
os sobrenomes maritais envolve até problema de cacofonia, não convindo,
por outro lado, a extensão exagerada do nome a ser escolhido, concluindo
que nada impede que a mulher retire um ou alguns de seus apelidos de família
e acresça O ou OS do marido. Na juventude, estudei em Nova Friburgo, e,
ali, a turquinha Tufi apaixonou-se pelo italianinho Caputo, que era nosso
colega. O Afonso Chermont e o Ruy Seligmann infernizavam o rapaz,
lembrando-lhe como ficaria o nome da garota, se casasse com ele. Caputo
ficava zangado, para não usar outra palavra. Em meu entendimento, por
exemplo, se Marilia Salviano Queiroz Pinheiro vai se casar com Marco Antônio
Rodrigues de Magalhães, e resolveu modificar o seu nome, pode passar a
chamar-se Marilia Salviano Queiroz Pinheiro Rodrigues de Magalhães,
Marilia Salviano Queiroz Magalhães, ou, ainda, outra combinação,
contando que mantenha um dos elementos de seu sobrenome e adicione o
sobrenome (ou um dos elementos dele) do seu marido.
Diante do novo Código Civil, considerando o espírito da lei, os fins a
que se destina, e crendo que o legislador não está a exigir um absurdo,
uma extravagância, entendo que aquele acórdão do Tribunal de São Paulo
deve ser seguido e observado. Qualquer solução legal, que venha a causar
problemas e embaraços, não é uma boa solução.
23..04..2005 |