SOJA TRANSGÊNICA NO BRASIL: ANOTAÇÕES
SOBRE A LEGISLAÇÃO DE PLANTIO, COMERCIALIZAÇÃO E DIREITOS DA
PROPRIEDADE INTELECTUAL |
João
Carlos Lopes Scalzilli - Advogados -
Este trabalho tem por objetivo orientar os produtores de soja e demais interessados na questão, acerca das peculiaridades que envolvem as legislações que tratam do plantio, comercialização e direito da propriedade intelectual da soja transgênica (OGM) Roundup Ready (RR) no Brasil, bem como relatar, em breves anotações, sem juízo de valor que reflita posições de cunho pessoal, os problemas que ocorreram e continuam ocorrendo em torno dos fatos concretos e destas normas. 1- NOÇÃO SOBRE
ORGANISMO GENÉTICAMENTE MODIFICADO (OGM) – A SOJA TRANSGÊNICA
Preliminarmente, convém sublinhar que se entende por Organismo
Geneticamente Modificado – OGM – todo
organismo cujo material genético (DNA/RNA) tenha sido modificado
por qualquer técnica de engenharia genética, envolvendo atividade de
manipulação de DNA/RNA recombinante, mediante a modificação de
segmentos de DNA/RNA natural ou sintético que possam multiplicar-se em
uma célula viva. É, desta forma, exemplo de OGM (no campo da
agricultura) o milho Bacillus Thumriengienses (Milho BT), que, após
a manipulação genética, obteve uma proteína com a capacidade de matar
o inseto que se alimenta de partes da planta original, sendo transformado
(milho original), assim, em uma planta biocida (milho BT). Também é o
caso da chamada soja RR, na qual se introduziu um gene com o código de
uma proteína que a torna resistente ao herbicida glifosato, veneno que é
utilizado para exterminar ervas (de toda a espécie) que infestam a
lavoura, mas preserva a cultura. 2-
RESUMO SOBRE A POLÊMICA DO CULTIVO DA SOJA TRANSGÊNICA RR
Posto isto, no caso específico da soja transgênica Roundup Ready (RR),
os três principais argumentos que têm sido apresentados para justificar
sua cultura são: primeiro, a eliminação da necessidade de aplicação
de vários tipos de herbicidas, propiciando economia de custos; segundo, a
eficácia plena do herbicida Roundup (no extermínio de todo tipo de ervas
e inços prejudiciais à soja), significando maior produtividade; e
terceiro, a redução da contaminação ambiental, diante da eliminação
da variedade de herbicidas que seriam utilizados em uma plantação
convencional. De outro lado, os que são contrários ao plantio da RR e de outros
transgênicos questionam a falta de estudos imparciais e aprofundados
sobre o impacto destes organismos na saúde e no meio ambiente, além de
colocar em dúvida os propalados efeitos positivos sobre a economia
individual e coletiva nacional. A única certeza a respeito deste assunto é de que não existe
perspectiva de encontrar-se tão cedo um denominador comum para a questão,
prometendo os embates entre as duas correntes prosseguirem ainda por
muitos anos, sendo lícito prognosticar, ainda, que uma solução
definitiva só virá daqui a algumas décadas, após a cristalização dos
efetivos efeitos benéficos e/ou maléficos da soja transgênica. 3-
A LEI VIGENTE SOBRE BIOSSEGURANÇA, SUA DUVIDOSA LEGALIDADE E
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA
O corolário das dúvidas, como não poderia deixar de ser, reflete-se
na atual e novíssima regulação sobre transgênicos, a claudicante lei nº
11.105 (conhecida como “nova Lei da Biossegurança”) de 24 de março
de 2005, que “estabeleceu normas
de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados”, cuja
inconstitucionalidade é objeto de argüição perante o Supremo Tribunal
de Federal, em ação direta (ADIN) promovida pelo Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Fonteles. Esta lei, cumpre gizar, possui potencial e mecanismos para liberar, de
vez e sem mais questionamentos científicos, a introdução do plantio e
comercialização de soja transgênica no Brasil. Porém, a par de sua discutida constitucionalidade, a própria estrutura
desta “norma da biossegurança”, em si, é uma fonte de problemas e
entraves à sua aplicação, como relata recentíssima reportagem do
respeitado periódico jornalístico O Estado de S. Paulo, publicada em 24
de agosto de 2005, no Caderno Vida & Saúde, retranca Ciência, folha
A18, onde se lê: “A nova Lei de Biossegurança foi
aprovada pelo Congresso no início de março, após sete anos de brigas e
contestações jurídicas que empacavam a aplicação da lei anterior. Ao
fim de uma longa batalha envolvendo ministros, pesquisadores,
ambientalistas, religiosos e produtores agrícolas, chegou-se a um texto
que reconhece a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)
como autoridade responsável pelo controle das atividades com OGMs. O problema é que a composição da
comissão foi alterada e os antigos membros foram destituídos. Durante a
vigência da antiga lei, os entraves legais giravam em torno da aprovação
de liberações e experimentos de campo com plantas transgênicas. Mas os
processos mais rotineiros, como certificações e autorizações para
estudos de laboratório, continuavam tramitando. Agora, tudo parou. Desde março nenhum
processo é avaliado pela CTNBio, pela simples razão de que não há
ninguém para fazer a avaliação. No momento, a comissão é formada
apenas pelo secretário-executivo, Jairon Santos do Nascimento, e uma
secretária. ‘De todos os momentos desde a aprovação da primeira lei,
em 1995, este é a pior’, diz o cientista Luiz Antonio Barreto de
Castro, ex-presidente da CTNBio e recém-empossado secretário de Políticas
e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT). Sem a regulamentação, diz ele, continuará a imperar
uma ‘moratória branca’ à biotecnologia no País.” Portanto a “nova Lei de Biossegurança”, vigente, além de sua
duvidosa constitucionalidade que ainda será analisada pelo Supremo
Tribunal Federal, depende de regulamentação para ser aplicável. E para
que se tenha uma idéia da morosidade e dificuldades que ainda serão
enfrentadas (caso a lei seja julgada constitucional – “válida”),
para tanto, transcrevemos outro trecho da citada reportagem: “A regulamentação depende da Casa
Civil, que já possui um projeto de decreto formulado pelo MCT (Ministério
da Ciência e Tecnologia). A Ministra Dilma Roussef deverá convocar uma
reunião do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11
ministros, para aprovar o texto e encaminhá-lo ao presidente Lula. Mas a
polêmica continua. A grande discussão agora nos bastidores é se o
decreto deverá também ser submetido a consulta pública (votação pela
população), o que atrasaria ainda mais sua aprovação.” (o
grifo e as explicações entre parênteses são nossos) Logo, na impossibilidade de dar eficácia à norma, o que deverá
continuar ocorrendo em torno do plantio e da comercialização da soja
transgênica RR é o que acontecia até o advento desta lei, pelo menos
por ora inaplicável (lei nº
11.105/2005, nova “Lei da Biossegurança”). Examinemos, então, os antecedentes. 3.1-
DISPOSIÇÕES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL SOBRE O MEIO AMBIENTE
Estatui a Constituição Federal (Lei Magna
ou Lei Maior) promulgada em 5 de outubro de 1988 (em vigência), no
Capítulo VI, “DO MEIO AMBIENTE”: “Art. 225. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Par. 1º Para assegurar a efetividade
desse direito, incumbe ao Poder Público: ... II- preservar a diversidade e a
integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; ... IV- exigir, na forma da lei, para instalação
de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação
do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade; V- controlar a produção, a comercialização
e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para
a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; ... VI- proteger a fauna e a flora, vedadas,
na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam o animais a crueldade. ... ” 3.1.2- A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE E OS INSTRUMENTOS PARA O
SEU EXERCÍCIO
Este preceito e determinações, contidos na Carta Magna da Federação
do Brasil, recepcionaram (receberam) e convalidaram as disposições já
existentes na lei nº 6.938/81, que trata da “política nacional do meio
ambiente” e criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA –
(art 6º), composto pelos “órgãos
e entidades da União, dos Estados e do Distrito Federal, dos Territórios
e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público,
responsáveis pela proteção e a melhoria da qualidade ambiental” (também
art. 6º). No âmbito da lei 6.938/81 foram decretados os “instrumentos” da
“política nacional do meio ambiente” (art. 9º), ficando expressos
como tais, dentre outros, “a
avaliação de impactos ambientais” (inciso III) e “o
licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras” (inciso IV), a serem exercidos primordialmente pelos órgãos
estaduais (dos estados da Federação) e supletivamente pelos órgãos
federais, conforme expresso no artigo 10 da lei nº 6.938/81, a seguir: “A construção, instalação, ampliação
e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos
ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão
de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do
Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA – e do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em
caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.” 3.2-
A “PRIMEIRA LEI DA BIOSSEGURANÇA” E AS DECISÕES JUDICIAIS DA
INCONSTITUCIONALIDADE DOS PERMISSIVOS QUE DEFERIRAM A CULTURA DA SOJA
TRANSGÊNICA
Posto isto, em 5 de janeiro de 1995 foi editada a lei nº
8.974, mais
conhecida como “primeira Lei de Biossegurança”, a qual restou
promulgada com veto do Presidente da República ao artigo que criava a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio –, órgão
colegiado multidisciplinar que teria a finalidade de prestar apoio técnico,
consultivo e de assessoramento ao Governo Federal na formulação,
atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança
relativa a OGMs. Seria competência da CTNBio, ainda e principalmente, a
emissão de pareceres técnicos de processos relativos a atividades que envolvessem OGMs,
cujos julgamentos (?), pelos Ministérios competentes, deveriam
obrigatoriamente observar (!) os pareceres conclusivos (!) emitidos pela
CTNBio. (vide art. 7º, ‘caput’, ‘in fine’, e incisos VII e VIII) Em que pese o veto do Presidente da República à criação da CTNBio, o
decreto nº 1.752/95, editado para regulamentar esta “primeira Lei da
Biossegurança”, deu competências e composição à malsinada Comissão,
que, à revelia da sanção presidencial, assim “nasceu” e foi
vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Foi perante este Ente (CTNBio) mal nascido e de amparo legal duvidoso
que a Monsanto pleiteou a liberação para o cultivo da soja transgênica
RR (apresentando como subsídio do seu pedido um estudo (?) denominado Análise
de Risco – Risk Assessment – realizado (?) nos Estados Unidos, Canadá,
Austrália, Porto Rico e Argentina), havendo ele sido autorizado com
dispensa do exigível “Estudo de Impacto Ambiental e Relatório e
Impacto no Meio Ambiente”, sob o estranho argumento de que a análise
alienígena mostrava-se mais adequada se comparada ao EIA/RIMA. Esta lei (8.974/95), entretanto, da mesma forma que sua “filha
bastarda” (CTNBio) e sua injustificável autorização para plantio da
RR, foram de pronto questionadas judicialmente, visto que, de acordo com o
que acima foi exposto, a competência atribuída à CTNBio, por via direta
ou indireta, fere a Constituição ao limitar a competência dos estados e
municípios (que compõem a Federação) para proteger o ambiente, além
de afrontar o artigo da Lei Maior que determina ao Poder Público exigir
estudo de impacto ambiental para a instalação de atividade
potencialmente degradadora da natureza. 4-
O INGRESSO CLANDESTINO DE SEMENTES TRANSGÊNICAS NO BRASIL, SEU PLANTIO
E AS NORMAS QUE VIERAM A PERMITIR A COMERCIALIZAÇÃO DO PRODUTO ILEGAL
Diante de tal quadro, a autorização de cultivo (emitida pela CTNBio em
1998 no Comunicado nº 54) foi liminarmente suspensa pelo Poder Judiciário
e teoricamente jamais deveria ter existido plantio de soja transgênica no
Brasil. Apesar desta liminar judicial, presentemente confirmada em sentença e
recurso, pendente apenas de uma decisão extrema, que, diga-se, não
suspende os efeitos do que já foi julgado anteriormente (ilegalidade da
autorização concedida à Monsanto), verificou-se, na prática, o
ingresso clandestino no território brasileiro de sementes de soja
geneticamente modificada (contrabandeadas da Argentina), e frente a
incapacidade ou falta de vontade política do Governo Federal e de
governos estaduais, especialmente o do Rio Grande do Sul, em fiscalizar as
áreas de cultivo, foram as sementes plantadas. Ano após ano, com o estímulo e a “vista grossa” da Monsanto (que
sempre forneceu o herbicida Roundup) para o plantio ilegal de sua “criação”,
sem cobrar “royalties” (sementes de OGM RR contrabandeadas), formou-se
um quadro caótico na agricultura brasileira. A triste crônica do que ocorreu na virada do século, quando a
agricultura brasileira já estava “inundada” de soja transgênica,
segue em relato existente no trabalho de Maria Célia Delduque, a seguir,
em parte transcrito: “Em 2001, o chefe do Poder Executivo
editou a Medida Provisória nº 2.191, com a finalidade de alterar a Lei
de Biossegurança, dando, desta maneira, existência legal à CTNBio e
validando, então, seus atos administrativos praticados no passado. Revertendo-se a lógica que ampara o
Estado Democrático de Direito, os grupos de apoio às sementes RR, com
penetração nas mais altas instâncias estatais, fizeram com que, em março
de 2003, o novo Governo (do Presidente Lula), pressionado, editasse a
Medida Provisória nº 113 para solucionar ‘o problema’. Esta MP (medida provisória),
transformada na Lei nº 10.688 em 13 de junho de 2003, embora consagrasse
uma desobediência a uma decisão judicial e legitimasse a comercialização
do produto de um crime – prática constatada de contrabando de sementes
–, explicita não haver vontade de ter-se outras safras transgênicas no
País. Assim, a excepcionalidade da autorização do comércio dos grãos
fica demonstrada em dois momentos: no primeiro, quando afirma que a
comercialização deverá se dar até janeiro de 2004 e que o estoque que
sobrar seja incinerado, com completa limpeza dos espaços de armazenagem;
no segundo, quando impõe a incineração como forma de destruição das
propriedades produtivas das sementes. Porém, não se esperava que, uma
vez mais, o Poder Executivo fosse reverenciar o ilícito. O pior estava
por vir. Eis que, então, em 26 de setembro de
2003, sob a perplexidade da população brasileira, foi editada a Medida
Provisória nº 131. Esta MP regulamentou o primeiro plantio de organismos
geneticamente modificados em escala comercial no Brasil, fato este que
atesta a situação insólita em que o governo colocou o País,
autorizando o que havia proibido a Lei nº 10.688 (apenas três meses
antes). Na MP nº 131, em seu art. 1º, onde são
estabelecidos o objeto e o âmbito de aplicação da norma, determina-se
que a Medida Provisória se aplique às sementes de safra de soja 2003,
reservadas pelos agricultores para o uso próprio, aquelas mesmas
(sementes) proibidas de serem plantadas após janeiro de 2004, conforme a
Lei nº 10.688/03. Uma vez mais, o Governo Federal permite
que os transgressores da Lei nº 10.688/03, que guardaram sementes transgênicas,
as utilizem em novos plantios, porque, como dito, o plantio autorizado
(pela MP nº 131) referia-se às sementes para uso próprio, guardadas
pelos agricultores da safra de 2002.” No Congresso, a MP nº 131
não sofreu significativas mudanças, convertendo-se na lei nº 10.184, de
15 de dezembro de 2003. O desrespeito à lei e ao Poder Judiciário não cessou no ano que se
seguiu, e no curso do ano de 2004 o Governo Federal liberou mais uma vez a
produção e comercialização de soja, desta vez para a safra 2004/2005,
mediante a edição da Medida Provisória nº 223, de 14 de outubro de
2004, que foi transformada na lei n° 11.092, de 12 de janeiro de 2005. Não há dúvida de que a conversão em lei (nº 11.092/05) da terceira
medida provisória (nº 223), liberando a soja transgênica no País,
feria e fere a decisão judicial do Tribunal Regional Federal (TRF) de
Brasília, que um mês antes da edição da MP nº 223 decretara que o
plantio da RR era ilegal, pelo menos enquanto a empresa responsável pela
tecnologia (Monsanto) não apresentasse os devidos estudos de impactos
ambientais (EIA/RIMA). Enfim, contra tudo e contra todos, principalmente em afronta ao Poder
Judiciário, o Poder Executivo e o Poder Legislativo “legitimaram” até
janeiro de 2006 a comercialização de soja geneticamente modificada,
plantada na safra 2004/2005. Presentemente (agosto de 2005), visando a resolver definitivamente (?)
as pendências judiciais sobre OGMs, o Congresso Nacional editou a lei nº
11.105, em 24 de março de 2005, “nova Lei de Biossegurança”, a qual,
como já sublinhado na introdução deste trabalho, possui defeitos intrínsecos
que dificultam sua aplicação, além do fato de já ter sua
constitucionalidade argüida perante o Supremo Tribunal Federal, na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº
3526, protocolada em 20 de junho de 2005, pelo Procurador-Geral da República. Portanto, não é exagero vaticinar que o Governo Federal venha,
proximamente, a editar medida provisória para liberar mais uma vez o
plantio ilegal da RR para a safra 2005/2006. 5-
A COBRANÇA DE ROYALTIES E INDENIZAÇÕES PRETENDIDA PELA MONSANTO E A
MEDIDA PROVISÓRIA 131/2003 (lei n° 10.184/2003)
Paralelamente ao problema do plantio e da comercialização da soja
transgênica, outra questão passou a ser discutida a partir de 2002, qual
seja, a pretensão da Monsanto de cobrar royalties, a partir do ano de
2003, dos produtores que plantassem soja com sementes geneticamente
modificadas a partir da tecnologia por ela desenvolvida (resistência ao
glifosato), ainda que tais sementes fossem fruto de contrabando. O pagamento de royalties, até aquele momento (2002), era exigido das
tradings e das indústrias, caso a soja ou farelo de soja fossem
exportados para o Japão, Canadá, União Européia, ou Estados Unidos, países
e bloco (EU) onde a tecnologia Roundup Ready era reconhecida. O presidente da Monsanto à época, Richard Greubel Jr., declarou à
imprensa: “Cobraremos, a partir de agora, uma taxa sobre o ganho real
pelo uso de nossa tecnologia no Brasil. A Monsanto investe US$ 1 milhão
por dia em pesquisas”. O valor exato da taxa, segundo Richard, ainda não
havia sido definido, “mas a intenção era cobrar no momento da venda da
safra”. Os defensores da liberação, cultivo e comercialização da soja transgênica,
que juntamente com representantes da Monsanto articulavam naquela ocasião
a edição da medida provisória para legalização do plantio e
comercialização da safra 2003/2004, dividiram-se, especialmente no que
dizia respeito aos valores e à forma de cobrança pretendidos pela
Monsanto. As diferentes posições não impediram alguns acertos na reunião entre
o relator da medida provisória e os representantes da Monsanto, sendo a
questão definida (?) pelo artigo 10 da Medida Provisória nº 131, de 25
de setembro de2003, convertida na lei nº 10.814, de 15 de dezembro de
2003, que fixou tão somente que: “Compete
exclusivamente ao produtor de soja arcar com os ônus do plantio
autorizado ..., inclusive os relacionados a eventuais direitos de
terceiros sobre as sementes ...”. 5.1-
O “SISTEMA” ENGENDRADO PELA MONSANTO PARA “CONFISCAR” SUPOSTAS
INDENIZAÇÕES QUE LHE SERIAM DEVIDAS
Deferia-se, assim, o direito da Monsanto de cobrar royalties sobre soja
transgênica RR (resistente ao glifosato), independentemente de sua procedência.
Sublinhe-se, todavia, que esta MP convertida em lei (nº 10.814/2003), bem
como as posteriores editadas até o momento (agosto de 2005), não
estabeleceram percentuais ou valores para os royalties e nem a maneira
como a cobrança se realizaria. Com base no reconhecimento do seu direito (?) de cobrar royalties, a
Monsanto, então, entabulou um engenhoso acordo com sindicatos, entidades
representativas (?) da agricultura, cooperativas e comerciantes de soja
brasileiros, criando um sistema de fixação de preços e cobrança de
royalties. Neste sentido, anualmente, discute com os sindicatos e as
entidades representativas (?) da agricultura os valores que serão
cobrados dos produtores na safra e acerta com as cooperativas e
comerciantes a retenção compulsória dos valores que lhe seriam devidos,
por ocasião da entrega da colheita para armazenamento ou venda. A quantia
retida, desta maneira, é dividida entre todos os partícipes do
“sistema” (Monsanto, sindicatos, entidades representativas,
cooperativas e comerciantes). Assim, antes de a soja ser vendida ou armazenada no silo, o agricultor
deve declarar que tipo de soja cultivou. Se declarar que a soja não é
transgênica, é necessário provar o fato submetendo seu produto a uma análise.
O teste utilizado é o RUR Bulk Soybean Test Keat, com sensibilidade para
10%, ou seja, o resultado é positivo quando o lote apresenta contaminação
acima de 10% de soja transgênica. Portanto
o teste identifica se existe a presença de grãos transgênicos, mas não
é capaz de identificar a porcentagem destes grãos no lote. Este teste
qualitativo, também, não possibilita que um lote de soja transgênica
seja separado de um lote de soja convencional contaminado. 5.2-
O VALOR CONFISCADO NA SAFRA 2004/2005 E A IMPORTÂNCIA PRETENDIDA PARA A
DE 2005/2006
O valor cobrado compulsoriamente (confiscado), na safra de 2004/2005,
foi de R$ 0,60 por saca de 60 quilos para o agricultor que declarou
produzir soja transgênica e não realizou o teste. O agricultor que
declarou que sua soja não era transgênica, mas cujo resultado do teste
foi positivo, por ser soja transgênica ou soja convencional contaminada,
foi obrigado a pagar R$ 1,50 por saca de 60 quilos, acrescido dos custos
do teste. Ainda não existe um “acordo” entre a Monsanto e todo o
“sistema” quanto ao valor a ser cobrado na safra de 2005/2006. Segundo
notícia publicada no jornal O Estado de S. Paulo, de 24 de agosto de
2005, Caderno C4, Agronegócios, a situação seria a seguinte: “As
negociações para a venda de sementes deste ano já se encontram
adiantadas, segundo o presidente da Abrasem. Em reunião realizada na
semana passada, a Monsanto aceitou estender para outros Estados o acordo
firmado com sementeiros gaúchos. A condição é a de que lideranças
ruralistas de cada Estado se comprometam a não questionar a cobrança de
2% sobre o valor de venda da soja transgênica que não tenha pago royalty
no ato do plantio (a soja certificada já embutiria um valor de royalty de
R$ 0,88 por quilo)”. Independentemente do valor que venha a ser estabelecido, pode-se prever
que um considerável número de produtores venham a ingressar na Justiça,
questionando não só a legalidade da quantia fixada pela Monsanto e seu
“sistema”, como também a maneira arbitrária de confisco praticada. 6-
A LEGISLAÇÃO SOBRE PROPRIEDADE INDUSTRIAL, PROTEÇÃO DE CULTIVARES E
CONSIDERAÇÕES SOBRE A MANEIRA DE AGIR DA MONSANTO
Cumpre, portanto, examinar a legislação a respeito, para que se possa
concluir sobre as possibilidades de tais demandas. Como já anteriormente referimos, em 25 de setembro de 2003 o Governo
Federal editou a Medida Provisória nº 131, que estabeleceu normas para o
plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada
da safra de 2003/2004. Esta MP foi convertida na Lei nº 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, que prevê: Art.
10. Compete exclusivamente ao produtor de soja arcar com os ônus
decorrentes do plantio autorizado pelo art. 1º desta Lei, inclusive os
relacionados a eventuais direitos de terceiros sobre as sementes, nos
termos da Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003 (Sistema Nacional de
Sementes e Mudas).” Aplicam-se a este artigo os dispositivos de duas leis federais
principais: Lei de Propriedade Industrial (LPI) –
Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações
relativos a propriedade industrial, alterada pela Lei nº 10.196, de
14/02/2001; Lei de Proteção de Cultivares (LPC) –
Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, regulamentada pelo Decreto nº
2.366, de 05/11/1997. As duas leis, de forma diferente, criam direitos monopólicos sobre a
venda e a reprodução de sementes. A Lei de Propriedade Industrial (LPI),
que inclui as patentes, em seu art. 18, inciso III, considera que não são
patenteáveis: “o todo ou parte
dos seres vivos, exceto os
microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de
patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial)
previstos na lei e que não sejam mera descoberta”. E dispõe no parágrafo
único deste artigo que: “para
fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o
todo ou parte de plantas ou animais, que expressem, mediante intervenção
humana direta em sua composição genética, uma característica
normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.”
Ainda o artigo 42, II, da LPI confere direitos fortíssimos e abrangentes
sobre produtos e processos
ligados a microorganismos transgênicos, bem como aos produtos, ou seja,
sobre as variedades obtidas por esse processo. A Lei de Proteção de Cultivares (LPC), por seu turno, oferece formas,
objeto e prazos de proteção para os agricultores e para outros
melhoristas. A Lei protege apenas um cultivar e não uma espécie inteira,
como é o caso da patente, e permite ao melhorista cruzar uma variedade
protegida com outras para obter uma terceira (no sistema de patentes,
puro, isto não é permitido). Em seu art. 2º, estabelece a LCP que: “A proteção dos direitos relativos a propriedade intelectual
referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de
Proteção de Cultivar, considerando bem móvel para todos os efeitos
legais e única forma de proteção
de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de
plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação
vegetativa, no País”. Pelo que se sabe, através de informações prestadas pela Monsanto ao
Ministério Público Federal (no ano de 2003), teria sido (por ela)
solicitado ao Serviço Nacional de Proteção aos Cultivares (SNPC/MAPA) o
registro de cinco cultivares de soja transgênica para utilização no
Brasil. Foi informada, também nesta ocasião (pela Monsanto), a suspensão
dos cinco registros em virtude de decisão judicial da Justiça Federal e
a não concessão dos registros das demais (até 22/10/2003 haviam sido
registrados no SNPC os pedidos de 21 variedades de soja RR da Monsoy,
subsidiária da Monsanto, sendo 4 com certificado provisório). É importante saber distinguir a cultivar registrada (Registro Nacional
de Cultivar – RNC, também sob responsabilidade do MAPA) da cultivar
protegida (SNPC), pois nem toda cultivar registrada está protegida e
vice-versa. Tanto quanto sabemos, até o momento não há qualquer
variedade transgênica registrada em definitivo no RNC e o simples
registro provisório sequer permite sua comercialização (lei nº
10.814/2003, art. 14 e parágrafo 1º). A Monsanto não reivindica,
neste momento, direitos de propriedade intelectual sobre as cultivares de
soja transgênica contrabandeadas. Os argumentos apresentados pela
Monsanto sobre a legalidade da cobrança baseiam-se especialmente no art.
44 da LPI, que estabelece que “ao
titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela
exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração
ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da
patente”. Esta indenização pretendida pela Monsanto decorreria de privilégios
pelas invenções patenteadas com o título de “plantas resistentes ao
glifosato”, “promotor para plantas transgênicas” e “seqüências
de DNA para melhorar a eficiência de transcrição”. Foge ao escopo deste trabalho questionar estas patentes quanto a seus
aspectos formais e meritórios (de validade e de vigência), todavia não
há como deixar de sublinhar a nossa perplexidade quanto à conduta da
Monsanto, que, em vez de fazer valer seus direitos (?) perante a Justiça,
pressiona produtores, representantes de classe e exportadores a firmarem
acordos extrajudiciais (permitindo o confisco e os valores do mesmo) com a
condição de não discutirem judicialmente a “Taxa Tecnológica” (não
deveriam ser royalties?) por ela exigida. Será que não valeria a pena
discuti-las? Outra questão que deve ser considerada é que as Leis de Propriedade
Industrial e a de Proteção de Cultivares não fixam o valor de remuneração
da proteção no caso de licença para a produção e comercialização de
genes e cultivares protegidos. A remuneração da proteção fica definida
pelo mercado, que atribui valores de acordo com o conjunto de atributos, a
aceitação pelos consumidores e as estratégias empresariais. Forçoso concluir, neste quadrante, que nenhum valor de remuneração ou
de indenização poderá ser imposto unilateralmente e que se não houver
acordo entre as partes diretamente envolvidas (Monsanto e produtor), a
quantia deverá obrigatoriamente ser arbitrada em demanda judicial. Esta questão conduz, ainda, ao “sistema” de cobrança “montado”
pela Monsanto e seus parceiros para o “confisco” da “Taxa Tecnológica”
(indenização ou royalties), por ocasião da entrega da colheita para
armazenamento ou venda. Esta conduta, que pode ser traduzida como o exercício
do direito com a própria força (se é que direito existe no caso), já
vem sendo alvo de contestação em diversas ações judiciais, cujo mérito
ainda não foi julgado, mas em que foram expedidas liminares em favor dos
produtores para que estes depositassem os valores em juízo, até a decisão
final dos processos. 7-
RESUMO CONCLUSIVO
O cultivo e a comercialização da soja transgênica RR foram
autorizados no ano de 1998, através do comunicado nº 54 da CTNBio. Considerando que a liberação em apreço ocorreu com a dispensa do
EIA/Rima, requisito exigido pela Constituição Federal e pelo Sistema
Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), a referida autorização foi
imediatamente suspensa por liminar judicial (em ação cautelar), já
confirmada por sentença e em acórdão recursal. Esta decisão ainda é
objeto de um último recurso, porém este não suspende a proibição
vigente até a presente data (agosto de 2005). Assim, a soja transgênica RR jamais poderia ter sido plantada no
Brasil. Todavia, diante do fato (consumado) de que o plantio restou sendo
realizado com sementes contrabandeadas, ano após ano (sob a “vista
grossa” da Monsanto e das autoridades responsáveis pela fiscalização),
em flagrante desrespeito à ordem judicial, o Poder Executivo,
amparando-se em justificativas variadas, especialmente de cunho sócio-econômicas,
vem editando anualmente medidas provisórias que permitem a comercialização
destas safras. A par deste problema (plantio ilegal) que se desenrola desde 1998, a
partir de 2002 passou a coexistir outra questão de legalidade duvidosa,
que é a pretensão da Monsanto de obter remuneração pelo uso da
tecnologia da soja transgênica RR e o “sistema” de “confisco”
engendrado para cobrar a “indenização”, com amparo (por ela suposto)
na Lei de Propriedade Industrial. Resume-se, desta forma, o que foi exposto ao longo de nossas anotações
sobre a legislação de plantio, comercialização e direitos de
propriedade intelectual sobre soja transgênica no Brasil. NOTA: Após a conclusão deste trabalho, no dia 1o de
setembro de 2005, circulou notícia, na imprensa, dando conta de que o
Ministro do Desenvolvimento Agrário teria assinado, no dia anterior, um
decreto “autorizando que os produtores do Estado do Rio Grande do Sul
usem sementes de soja geneticamente modificadas ‘não certificadas’ no
plantio da safra 2005/2006”, confirmando, assim, a previsão que havíamos
feito no final do tópico 7. João
Carlos Lopes Scalzilli Advogado, especialista em Direito Empresarial, ex-professor de Direito
Comercial e Propriedade Industrial na Universidade de Caxias do Sul –
UCS – e professor palestrante em cursos de pós-graduação, sócio do
escritório Scalzilli Advogados & Associados João
Pedro de Souza Scalzilli Advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS – e em Direito
Empresarial na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS –,
membro do escritório Scalzilli Advogados & Associados Lucas
Martins Dias Advogado, membro do escritório Scalzilli Advogados & Associados,
integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas de Direito Ambiental da Pontifícia
Universidade Católica – PUC/RS, pós-graduando em Gestão Estratégica
Empresarial na Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM 15.10.2005 |
Fonte: Remetido por e-mail |
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