União  Estável  -  tempo  de  convivência

www.soleis.adv.br 

Zeno Veloso
Jurista

Luiz Mário ficou viúvo, mas logo em seguida iniciou um relacionamento com Marialva, que estava divorciada e havia sido colega dele nos bancos escolares.

Com pouco tempo, Luiz Mário alugou um apartamento e o casal passou a morar no mesmo.

Embora convidados para aniversários, jantares, os dois filhos de Luiz Mário nunca aceitaram visitar o pai e não tinham a menor simpatia pela mulher dele.

Até que Luiz Mário, que já possuía dois apartamentos, resolveu comprar o que estava alugado e passou o imóvel para o seu nome.

E assim a vida dele corria, tranquila, feliz, e tinha certeza de que a má-vontade dos filhos iria acabar, com o passar do tempo.

Mas não teve a alegria de ver chegado esse momento, pois faleceu repentinamente, vítima de doença que portava e não sabia, pois os exames que fazia periodicamente jamais haviam anunciado o mal.

Os filhos do falecido constituíram advogado e ingressaram em juízo com o pedido de inventário e partilha dos bens deixados pelo autor da herança.

No rol dos bens estava o apartamento que o pai recentemente adquirira.

Não citaram Marialva no elenco de herdeiros, entendendo que ela não passava de namorada ou amante, que durante pouco tempo - no máximo dois anos - esteve em companhia de Luiz Mário, não havia investido coisa alguma para a aquisição do imóvel, de maneira que, ela não tinha direito algum, e que “fosse cantar em outra freguesia”.

As questões que envolvem a discussão da existência, ou não, de união estável, são geralmente complexas e as partes ficam em posições extremamente antagônicas.

Surgem não só problemas patrimoniais, como aspectos existenciais de grande vulto.

Em expressivo número de casos - há exceções -, as filhas dos falecidos não suportam as namoradas, mesmo as companheiras ou até as esposas deles, sobretudo, se eram mulheres jovens, bonitas.

No caso que narrei acima, a respeito do qual me pediram opinião, Marialva foi viver debaixo do mesmo teto com Luiz Mário.

Toda a vizinhança os conhecia, colegas e amigos sabiam do relacionamento. Os próprios filhos não desconheciam, tanto que nutriam desapreço pela moça. A convivência era pública, notória, já durava dois (02) anos. E, pelas circunstâncias, pode-se concluir que o casal nutria um sentimento nobre e respeitável, de constituir uma família.

Não era o chamado “namoro qualificado”, do qual já falei aqui algumas vezes, que parece, mas não é união estável.

O tema, aliás, é tão interessante, que fui convidado a falar sobre o mesmo, em Lisboa, na Faculdade de Direito, no evento que está sendo organizado pelo Instituto Silvio Meira e pela Unama, com grande sucesso, a presença de cerca de 50 participantes, só do Brasil.

Os filhos de Luiz Mário alegam que o envolvimento dos dois foi muito curto, de apenas dois anos, o que não caracteriza algo “contínuo, duradouro”.

Antes da entrada em vigor do Código Civil, a Lei nº 8.972/94 estabelecia, realmente, que a união estável só estaria configurada quando a convivência do casal durasse há mais de cinco (05) anos. Mas todos criticaram a fixação desse tempo mínimo.

Com a entrada em vigor do Código Civil, em 2003, o art. 1.723 do mesmo não determina um tempo mínimo de convivência para que a união estável esteja formada. Isso não quer dizer que não se requeira nenhum tempo.

Nada pode ser “contínuo, público, duradouro” que não exija a passagem de algum tempo.

Em caso de dúvida, diante das circunstâncias, decidirá o juiz.

Em meu parecer - e nos casos gerais -, o transcurso de dois anos, aliado aos demais elementos previstos no art. 1.723 do Código Civil, é um prazo razoável de vida em comum, e bastante para configurar a união estável.

E, como companheira, que direitos tem Marialva?

Em primeiro lugar, direito de receber a pensão, por morte, deixada pelo companheiro.

Ela é meeira do apartamento que foi comprado durante e convivência, dado o regime de bens (comunhão parcial) que se aplica aos conviventes.

Com relação aos outros imóveis, adquiridos antes do início do relacionamento, ela não terá nenhum direito hereditário.

Todavia, no que pertine à outra metade do apartamento, comprado por último (do qual já é meeira), vai ser herdeira, concorrendo com os filhos do falecido, na forma do art. 1.790, “caput”, e inciso II, do Código Civil, cabendo-lhe a metade do que for destinado aos filhos do “de cujus”.

Chamo a atenção, por último, de que a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil vem sendo discutida no Supremo Tribunal Federal e está prevista para o próximo dia 10 de maio a sessão que, definitivamente, deve resolver a questão. Se for declarada a inconstitucionalidade, vai ocorrer uma reviravolta formidável no direito sucessório dos companheiros que vai ficar equiparado ao direito hereditário dos cônjuges.

                     

08.05.2017

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 29.04.2017

Início

www.soleis.adv.br            Divulgue este site

https://www.facebook.com/carlosgomes.soleis

https://www.instagram.com/camgomes

CÓDIGO CIVIL - 2003

TÍTULO III
DA UNIÃO ESTÁVEL

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de

constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato

 ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

 

LIVRO V
Do Direito das Sucessões

 TÍTULO I
Da Sucessão em Geral

 CAPÍTULO I
Disposições Gerais

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.