A n e n c é f a l o
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Vistos, etc. 

A Defensoria Pública desta Comarca ingressou com pedido perante o Juízo, para que a gestante F N dos S  fosse autorizada a se submeter a uma intervenção cirúrgica, visando interromper sua gravidez, tendo em vista a apontada inviabilidade de vida pós-natal do feto que, segundo exames realizados, constatou-se padecer de anencefalia (cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro rudimentar). 

O Ministério Público em sua manifestação é favorável ao pleito. 

Vieram os autos conclusos. 

Inicialmente, cabe analisar, que o pedido é totalmente satisfativo, pois uma vez concedido por este Juízo, e executada a intervenção cirúrgica, não haverá mais possibilidade de recursos ou mesmo discussões jurídicas, pondo fim a qualquer chance de reversão da medida. 

Analisando a matéria, não se tem por válida a aplicação, por analogia, do citado art. 128, do Código Penal, porque, no caso do inciso I – aborto necessário – seria ferido o princípio basilar da legalidade estrita, regente do Direito Penal, sendo sua adoção na hipótese vertente verdadeiro caso de atipicidade. Equivaleria a um aborto eugênico, e não legal ou terapêutico, onde é evidente o estado de necessidade que justifica a medida – caso não efetivado o aborto, pereceria a própria mãe do nascituro, e ao invés de um sacrifício, teríamos dois.

No presente feito, há apenas uma singela alegação da Defensora Pública quanto ao risco de vida da gestante, que poderia, aí sim, permitir a aplicação do inciso I, do citado dispositivo legal, porém não existe nenhuma prova que enseje tal entendimento, nem nos laudos e nem em qualquer outro documento. 

Já inciso II do art. 128 do CP – aborto sentimental – teria, diferentemente da hipótese anterior, sua justificativa na proveniência de ato ilícito, não podendo, como tal, gerar direitos, o que também não se aplica ao caso vertente. 

Tratando-se de direito à vida, temos que rol do art. 128 do Código Penal é restritivo, não podendo em nenhuma hipótese ser ampliado, quer por analogia, princípios gerais do direito, ou qualquer outro entendimento mais liberal. 

O Ministério Público atuante junto a este Juízo, ao invés de atuar em favor do nascituro como curador, já que a d. Defensoria Pública encontrava-se a defender os interesses dos pais-autores, colocou-se, como custos legis, em posição favorável ao aborto, que no caso equiparar-se-ia a verdadeira cesariana antecipada, deixando indefeso o feto, e ferindo o contraditório. 

A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena de morte, irreparável. 

Segundo decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sobre o tema, informa que,

"é fato inarredável que a situação posta nos autos não está expressa na Lei Penal deste País como hipótese em que o aborto é autorizado. É certo que o trabalho do jurista, mormente o do Magistrado, não deve ficar engessado nas letras frias da Lei. Espera-se mesmo que o Juiz não seja um mero expectador das mudanças da vida cotidiana, mas, sim, um efetivo membro da sociedade, apto a exercer sua jurisdição com bom senso e equilíbrio, sempre buscando uma exegese consentânea com a realidade em que vive. Não se pode olvidar, entretanto, que há de se erigir limites. E estes hão de ser encontrados na própria Lei, sob pena de se abrir espaço à odiosa arbitrariedade”

E segue: 

“Ora, o direito à vida é tudo, por isso que nada mais se considera quando ele é questionado, caindo, então, no vazio tal questionamento. Não são assim, “velhos e surrados argumentos de defesa pura e simples da vida” como estabeleceu a il. Desembargadora. 

Qualquer argumento em favor da vida jamais será velho e surrado. 

O que é preciso compreender-se – e agora sim surge a incidência do princípio da razoabilidade – é que vida intra-uterina existe. 

É que, mesmo nesse estágio, sentimentos de acolhida, carinho, amor, passam por certo, do pai e da mãe, mormente desta para o feto. 

Se ele está fisicamente deformado – por mais feio que possa parecer isto jamais impedirá que a acolhida, o carinho, o amor flua à vida, que existe, e enquanto existir possa.

Isso, graças a Deus, está além da ciência”. 

O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador. 

Deve-se deixar a discussão acerca da correção ou incorreção das normas que devem viger no País para o foro adequado para debate e deliberação sobre o tema, qual seja, o Parlamento. 

Para simples referência, transcrevo uma carta escrita por uma mães que estava em situação análoga: 

CARTA DE MARA SOBRE O FILHO ANENCÉFALO

(esta carta, publicada no jornal A NOTÍCIA, foi citada pelo Desembargador Carlos Brazil em sua declaração de voto sobre o Mandado de Segurança n.º 42/2000 do TJRJ)

Lendo o jornal A NOTÍCIA e acompanhando a evolução do caso da mãe que quer abortar o seu filho anencéfalo, gostaria de relatar a minha experiência, visto que passei pela mesma situação. 

Pedro era urna criança muito esperada e amada desde a confirmação da gravidez (era o nosso primeiro filho). No sexto mês de gravidez fiz uma ultra-sonografia e foi constatado que o meu filho sofria de anencefalia e que morreria logo após o nascimento. 

O médico prontamente quis retirar o meu filho através de uma cesariana para a interrupção da gravidez. Apesar da nossa grande tristeza, ficamos um pouco até indignados por não conseguirmos entender como se pode querer privar alguém que mesmo muito doente e sem esperanças receba o carinho e o amor que não tem medida e é totalmente incondicional que é o amor da mãe pelo seu filho, sendo este saudável ou doente, sem mãos ou com mãos ou mesmo sem um órgão vital. 

Nas noites que se seguiram lembro-me que chorei muito, mas vendo a minha barriga mexer eu conversava com meu filho e o sentia vivo dentro de mim. Passei, tenho certeza, muito amor e carinho para o Pedro. Eu e o meu marido, a partir daí, passamos a nos preparar para o seu nascimento, que foi na hora em que ele deveria vir. Foi triste por um lado, mas maravilhoso por outro. O meu filho não foi jogado fora numa lata de lixo como um objeto que saiu da fábrica com defeito. Foi registrado e enterrado como um cidadão, que foi de fato. Pedro Couto dos Santos Monteiro viveu 4 dias rodeados por mim e pelo meu marido, o vi fazer xixi, evacuar, chorar, "balbuciar" e morreu segurando em uma das mãos o meu dedo e na outra mão o dedo do pai. 

Dei para meu filho o melhor que eu tinha para lhe dar, o direito de nascer e de se sentir muito amado, mesmo que não sendo o filho fisicamente perfeito que todo pai e toda mãe esperam ter. 

Niterói, 06 de junho de 2000
Assinado: Mara Couto dos Santos Monteiro
RG 06687432-2
 

Ante todo o exposto, mesmo entendendo os motivos do presente requerimento, INDEFIRO o pedido por falta de amparo legal, eis que a hipótese vertente não se encontra inserida no bojo do art. 128 do CP. Julgo, pois, extinto o processo, nos termos da lei processual. 

P.R.I.

Goianésia do Pará, 25 de novembro de 2008 

Cristiano Magalhães Gomes
Juiz de Direito

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