Como deixar a herança |
ZENO
VELOSO
Jurista
A revista “Isto É”, n° 2204, de 9 de fevereiro corrente, na seção “Seu bolso”, traz uma interessante reportagem sobre como se deve proceder para dar o destino aos bens e a importância de que se reveste o testamento, em muitos casos. Quando a pessoa tem filhos, porém, quer beneficiar mais a um desses filhos, ou deseja deixar algum bem para um parente, um amigo, uma instituição, a melhor solução é outorgar um testamento. Com a morte do testador, a existência de testamento não dispensa o inventário e a partilha, mas a disposição de última vontade prevê e determina como vai ser feita a divisão dos bens. Nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países do sistema chamado “common law”, a liberdade de testar é absoluta, irrestringida. Ainda que a pessoa tenha filhos, pode fazer testamento e deixar todos os seus bens para outras pessoas físicas ou instituições. Só está obrigada a deixar alguma coisa para os descendentes se necessitarem de alimentos, e nos limites dessa necessidade. Argumenta-se que esse é um poderoso e decisivo motivo de os parentes mais jovens, em regra, estarem sempre atentos para o bem-estar dos idosos, cercando-os de apoio e carinho. O receio de ser excluído da herança torna os filhos mais, digamos, amorosos. Numa conversa que teve comigo, em Salinas, na casa de Miro Gomes, meu saudoso mestre Otávio Mendonça disse que enxergava muitas vantagens nesse sistema anglo-saxão. No Brasil, e em outros países cuja legislação se inspirou no Direito Romano, no sistema chamado “civil law” (França, Alemanha, Portugal, Argentina etc.), existe a liberdade testamentária, mas esta não é completa, mas limitada, pois nesse sistema há a figura dos herdeiros necessários, também chamados obrigatórios, reservatários. Em nosso país, tais herdeiros são o cônjuge sobrevivente, os descendentes e os ascendentes, que têm direito à legítima, correspondente à metade da herança; e a outra metade é a parte disponível, que o testador pode deixar para quem quiser. Recentemente, no cartório em que trabalho, fui procurado por um comerciante e ele explicou que estava viúvo, tinha três filhos e patrimônio no valor, aproximadamente, de um milhão e duzentos mil reais, e um dos filhos era o seu preferido, inclusive, o mais inteligente e empresário nato, a quem ele queria deixar, por testamento, a metade dos bens, ou o equivalente a seiscentos mil reais. Eu respondi que podia, sim, outorgar um testamento, com essa disposição, e o referido filho nem mesmo perdia a sua legítima, correspondente a uma terça parte da outra metade dos bens de seu pai. Somando o que lhe for deixado no testamento à legítima, esse filho ficará com oitocentos mil reais e os outros dois filhos com, apenas, duzentos mil reais cada um. Como se vê, o filho mais amado fica muito melhor aquinhoado. Na aludida reportagem da revista “Isto É”, são descritas as três modalidades do testamento ordinário: o particular, que é escrito e assinado pelo testador, devendo ser lido a três testemunhas, que também o assinam, e é a forma menos segura de testar, porque fica na dependência da confirmação, em juízo, pelas testemunhas, depois da morte do testador; o cerrado, também chamado secreto ou místico, que é escrito pelo testador e entregue ao tabelião, que o aprova, na presença de duas testemunhas, sendo cozido e cerrado, só podendo ser aberto pelo juiz, após a morte do testador; e o público, que é escrito pelo tabelião, de acordo com as declarações do testador, exigindo-se a presença de duas testemunhas, sendo considerada a forma mais segura, cuja possibilidade de fraude é praticamente eliminada. O único inconveniente do testamento público é a possibilidade de um interessado requerer e obter uma certidão do mesmo ainda em vida do testador, o que pode causar muitos problemas, um grave transtorno. Entretanto, muitos civilistas entendem que essa certidão não pode ser expedida a terceiros, se o testador ainda vive, pois o testamento ainda não adquiriu eficácia. Dentre vários outros, abraço este opinião, que já defendi em muitas palestras, em livros de doutrina e, a pedido da Associação de Notários do Rio de Janeiro, acabo de publicar um estudo sobre a matéria, na conceituada revista “Fé Pública” , nº 14, páginas 20 a 23. Em Portugal e na Espanha, o Código do Notariado, artigo 164, e o Regulamento Notarial, artigo 226, respectivamente, é proibida a expedição de cópia de testamento enquanto o testador ainda está vivo. Parece, realmente, ser a melhor solução. 28.05.2012 |
Fonte: Publicado no jornal "O Liberal" - 11.02.2012 |
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